Capítulo 2

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Os anos passaram e Sebastian, este foi o nome que o seu filhote de humanos lhe dera, cresceu, tornando-se um belo gato preto com  o pelo mais brilhante que já se vira, e grandes olhos amarelo-alaranjados.

O seu filhote de humanos também crescera, e Sebastian descobriu que seu filhote de humanos era uma fêmea.

Ariela era uma bela garotinha de dez anos agora. E seus dentes haviam crescido novamente.

Ariela e Sebastian eram inseparáveis!

Eles viviam brincando e correndo pelo pátio da casa da família Borroughs.

Os humanos chamavam sua toca assim: casa.

O senhor Borroughs era um dedicado professor de botânica, que lecionava ciências na escola da cidade.

Ele amava as plantas!

Árvores, arbustos, flores, ervas...todos os vegetais sem exceção.

E também amava os animais silvestres e até mesmo os insetos.

A senhora Borroughs e Ariela também compartilhavam desse interesse, e eles costumavam cultivar um jardim maravilhoso nos fundos de sua propriedade.

E Sebastian e Ariela adoravam brincar lá!

Eles passavam a primavera e o verão inteiros brincando de se esconder, e fantasiando muitas aventuras entre os canteiros de ervas que o senhor Borroughs fizera para Minnie usar em seus deliciosos pratos.

E corriam felizes pela grama entre as roseiras, pés de dalias, margaridas, lavandas, lírios, zinias, bocas de leão, arbustos de miosótis e também entre as árvores de cereja, pêssegos, sidras e maçãs.

Ao fundo deste bucólico terreno, corria um regato límpido e tranquilo, de onde Sebastian, vez por outra, pescava um lambari.

Ariela fizera de Sebastian o guardião deste pedaço mágico de terra.

Ela o sagrou cavaleiro, 'Sir Sebastian de Borroughs', em uma manhã quente do último verão, vestindo-lhe uma capinha de cambraia vermelha, e usando ela mesma, um vestido velho da mãe e uma coroa de papel, que habilmente fizera, enquanto tocou em seu ombrinho com uma varinha de salgueiro, que claro, era a sua espada.

Costumavam deitar-se na grama, aonde Ariela lia para ele muitas aventuras maravilhosas...
As famosas aventuras do Rei Arthur e dos cavaleiros da Távola Redonda...Ivanhoé...Robin Hood...

Mas algo que sempre lhes chamava a atenção quando estavam em seu jardim, eram as nuvens de libélulas que passavam apressadas, sempre indo em direção do regato e para além, aonde Sebastian nunca se atrevera a explorar.

Gatos são animais naturalmente curiosos, e Sebastian não era exceção a esta regra.
Como que adivinhando seus pensamentos, Ariela acariciava sua cabeça dizendo:

—Nunca vá atrás das libélulas meu amorzinho...elas vão para muito além do regato, e talvez até do grande carvalho. É muito longe de casa, e eu ficaria muito triste se você se perdesse.

Como gostaria de poder falar com Ariela nestes momentos!

Falar para sua humana, que gatos não se perdem de seus humanos, jamais! E nunca esquecem o caminho de casa.
Gatos que somem ou vão embora são aqueles que os seus humanos maltratam, ou que eles mesmos não amam o suficiente.

Mas entendia a preocupação de Ariela. E para tranquilizá-la, ele ronronava, e esfregava o focinho com carinho em sua mão.

Ele jamais se afastaria dela, jamais deixaria de cuidar e amar a sua humana.

Sebastian conhecia Ariela muito bem.
Ele sabia quando ela estava triste, ou com medo...
Quando ela estava feliz e alegre...

Ele cuidava do seu sono a noite, não permitindo que nenhum rato mal cheiroso entrasse em sua casa, muito menos em seu quartinho.
Afastava com sua presença as baratas intrometidas e mantinha as assustadoras aranhas em seu devido lugar, ou seja, longe de sua amada Ariela!

E eles eram muito unidos. Se eram...

Passavam o inverno tomando chocolate quente em frente a lareira.
Ou assistindo a neve cair lentamente, pela janela da sala de estar.
E Sebastian sempre ficava ao seu lado enquanto ela, perseverante, cumpria as tarefas escolares e decorava a tabuada.

Ariela também cuidava dele. Ela era muito carinhosa...

Escovava seu pelo no inverno, e dava-lhe um banho por  verão.
Servia-lhe sempre sua porção de ração diária, e sua medida de leite.
Providenciou uma linda caixa de madeira, pintada de azul, e com a ajuda da senhora Borroughs, Ariela fez uma almofada bem fofinha para que ele dormisse.
Mas eles costumavam mesmo, era dormir sempre juntinhos na cama dela.

Quando completou três anos, Sebastian ganhou de sua humana uma linda coleirinha de couro vermelho com um guizo dourado.
E este presente teve mais valor ainda para ele, porque Ariela adquirira a coleirinha e o guizo com suas próprias economias.

O verão estava chegando ao fim, e logo Ariela iria voltar a estudar.
Por isso, eles queriam aproveitar ao máximo o tempo que ainda tinham em seu jardim; então acordavam cedo, comiam ligeiro, e corriam para fora, ansiosos por suas aventuras.

Hoje, em particular, as nuvens de libélulas pareciam estar ainda maiores e mais ligeiras, fazendo com que Sebastian perdesse a concentração durante as brincadeiras.

Ah! Aquele zumbido era insurdecedor...
Será que Ariela não ouvia? Nadinha?

As diferenças de capacidades entre felinos e humanos eram bem notáveis.

Ele enchergava longe e até no escuro... Ariela não!

Ele sentia cheiros e os guardava na memória... Ariela, não!

Ele ouvia muito bem... Ariela...não!

Conseguia subir e pular de diversas alturas...E Ariela? Claro que não.

Pobrezinha... Não era culpa dela ter tantas limitações!
Por isso, Sebastian era tão cuidadoso com ela... Ariela era a sua frágil criatura de estimação.

Sebastian estava distraído nestas considerações, quando algo chamou-lhe a atenção deveras.

Um bando de corvos irritantes, avançou sobre a nuvem de libélulas que passava apurada sobre o jardim.
E pareceu a Sebastian ouvir um grito.

E não era um grito de um corvo irritante, muito menos de Ariela, pois ela estava sentada ao seu lado tranquila, folhando um livro.

Ele pos sua atenção no que ocorria, e viu o corvo e uma pequena e ágil libélula, que ficando para trás do bando, parecia lutar desesperadamente por sua vida.

A libélula, livrou-se do corvo, mas caiu vertiginosamente em direção ao gramado, com o corvo mergulhando a toda velocidade atrás dela.

Sebastian não pensou duas vezes, saiu em disparada.

Lembrou-se que devia cuidar de seu jardim.

Lembrou-se que Ariela pedira-lhe que nunca perseguisse as libélulas.

Então, ele devia protegê-las, pensou.

Aquele corvo irritante não iria pegá-la, não no seu jardim!

Sebastian não iria permitir.

 O Jardim de SebastianWhere stories live. Discover now