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O sacerdote contava baixinho os segundos. Não queria bater novamente e assustar quem quer que estivesse do outro lado. Sabia que a maneira com a qual ele chegasse faria muita diferença na aceitação de sua presença posteriormente.

— Dezessete... dezoito... dezenove...
Rudolph olhou para os lados e teve um espasmo devido ao susto que levara ao escutar o ranger da maçaneta sendo girada. Ele ajeitou a gola clerical e engoliu o monte de saliva que juntara na boca por conta da ansiedade.

— Justice? — ele indagou à mulher, que pôs a face no vão entre o batente e a porta.

Uma corrente ainda ligava as duas partes do portal de entrada, fazendo que o corpo dela parecesse ainda mais afastado. O escuro do interior da residência moldava os cabelos pretos bagunçados, que lhe caíam sobre as bochechas. As olheiras roxas e profundas denunciavam a falta de sono.

— O senhor é... — Ela desceu as pupilas e encarou a vestimenta de Rudolph. Sua voz estava fraca, fazia jus ao resto do corpo também empalidecido.

— Sim, minha filha — disse ele em um tom acolhedor. — Soube que precisa da minha ajuda, e eu quero que saiba que eu só vim até aqui para isso.

Apesar das íris clamarem por socorro, a boca temerosa só pôde responder:

— Veio ao lugar errado. Eu não preciso de nenhum auxílio.

A mulher fez menção de fechar a porta, e o sacerdote viu-se obrigado a intervir. Rudolph segurou a estrutura de madeira com demasiada força, fazendo com que o branco da palma de sua mão esquerda se tornasse rubro.

— Eu sei que parece estranho, mas eu fui enviado para cá. Percebo que algo lhe aflige, não precisa ter vergonha de dizer o que é. Eu quero apenas rezar por você. Por favor, deixe-me entrar.

Ela se calou e olhou para baixo. Depois fechou a porta com cuidado e destravou a corrente, antes de abri-la novamente.

— Espere na sala. Eu vou acender as luzes — disse ela, deixando passagem para que o sacerdote adentrasse no breu do corredor.

Ele encaminhou-se até onde a mulher lhe mandara e retirou o chapéu da cabeça. Segundos depois, notou algumas lâmpadas se acenderem em sincronia. Junto delas, os passos coordenados de Justice revelaram a moça descendo as escadas.

— Venha. Vou servir um café na cozinha.

— Obrigado — ele respondeu enquanto encaminhava-se para o local indicado ao lado da figura feminina.

Assim que percebeu a entrada do cômodo, Justice se apressou e, quando o padre a alcançou, apenas conseguiu enxergá-la enfiando algumas louças sujas embaixo da pia, dentro de uma espécie de armário.

— Sente-se, por favor — ela pediu.

Os trejeitos dela eram tão aflitos e ansiosos que a mulher parecia à beira de um ataque de nervos. Até mesmo a colher reluzente sacudiu entre os dedos ao seu tiritar. Ela pôs uma xícara sobre a mesa, bem à frente do padre, juntamente com um pote pequeno de açúcar. Depois, virou-se na direção do fogão e acendeu a segunda boca traseira, onde se encontrava o bule.

— Quem foi que contou ao senhor sobre isso? — ela perguntou ao tempo em que secava as mãos em um pano cor de rosa, que em seguida abandonou amassado sobre a bancada.

— Um amigo — limitou-se a dizer.

— Eu não sei o que falar, padre...?

— Rudolph — completou.

— Rudolph. Eu não quero parecer ingrata, mas não há o que ser feito. Os médicos da clínica disseram que...

— Já esteve internada, Justice?

Lúrido Veneno - A ilha profanaOnde histórias criam vida. Descubra agora