Capítulo 2 - Nunca mais

2 0 0
                                    


O ronco da minha moto e o vento no meu rosto nunca foi tão libertador como parecia ao seu lado. Fernanda era imprevisível, seria muito difícil descrevê-la em uma única palavra, ela era apaixonante e eu estava rendido

Por dois meses ela me acompanhou "para qualquer lugar" de bar em bar, tocando para meia dúzia ou um pouco mais e apesar de ela se manter firme eu sabia, ela estava se cansando disso.

— Simon ? É você ?

— É amor, volta a dormir.

Vi ela se mexer e pegar o relógio na cômoda de forma sonolenta.

— É cinco da manhã, chegou tarde, à noite foi boa ?

A fitei minuciosamente completamente frustrado. Como eu a diria que havia sido péssima? Como diria que não conseguiria sustentar nós dois ? Como?

Esse tipo de questionamento girava muito em mim, foram apenas cinco meses, mas quanto mais passava o tempo, mais importante ela se tornava, parecia que estava em tudo que eu pensava, e ultimamente eu só queria conseguir mantê-la ao meu lado, porém isso não parecia estar dando muito certo.

Ela embarcou na minha loucura, me acompanhando pra lá e pra cá nessa vida completamente desregrada, nunca reclamou... Era horrível decepcioná-la quando tudo que fazia era me apoiar.

— Teria sido melhor com você lá. — desconversei em um suspiro audível.

—Terrível assim ? Desculpa amor, tenho andado meio cansada ultimamente.

Eu a olhei minuciosamente pesando ainda mais meu remorso, um suspiro aflito escapou sôfrego e audível. Faziam dias que ela estava assim, acho que finalmente estava cansando de me acompanhar por aí, realmente parecia péssima, cansada, como ela mesmo havia dito, porém mesmo assim, ainda era fodidamente sexy. Os cabelos curtos e escuros bagunçados, a minha camisa cobrindo apenas a sua bunda, ela era linda, isso me deixava confuso.

— Tá tudo bem, à noite foi ótima. — sorri sem humor rodando os anéis em meus dedos repreendendo a minha vontade de abraçá-la, me aconchegar nela e foda-se o resto.

Ela bufou me encarando atentamente já desperta.

— Está mentindo. — foi o que ela concluiu com apenas um olhar, me fazendo alisar os cabelos nervosamente. Droga ela me lia como um livro aberto.

Dirigi meus olhos outra vez a ela, sua expressão estava impassível, aquele olhar, fazia todas as suas expressões serem claras, Ela não era do tipo que guardava seus pensamentos para si, Fernanda era simples, nunca escondia nada, não era difícil saber quando não gostava de algo, além disso, ela odiava mentiras.

— Não começa Fernanda.

— Começar o que ? É você que está tentando mentir pra mim sem motivo. Estamos juntos, está tudo bem, daremos um jeito. — disse ela enquanto tentava me abraçar.

Traguei o ar pesado com força, fazia cinco meses que estávamos juntos e eu a amava apesar de nunca ter dito isso a ela, mas essa vida era uma droga e eu sabia. Me sentia um inútil, por não poder fazer mais por nós.

— Vou tomar banho, conversamos depois. — disse sem encará-la a ouvido suspirar em desistência.

Fugi dela esperando que a água quente carregasse meus temores direto para o ralo, mas foi em vão. Eu sabia que ela tinha que desistir dessa aventura, toda aventura tem fim, afinal, o problema era que Fernanda é a pessoa mais determinada que eu já tinha conhecido, discutir com ela era completamente desesperado.

*

Entrei no quarto observando o vapor tomar conta do ambiente, ela já dormia quando retornei, ocupava praticamente todo o espaço. " Espaçosa"

O banho longo não conseguiu levar minhas angústias, eu sabia o que fazer só precisava ganhar coragem pra isso.

Encarei seu corpo delicado adormecido esparramado no colchão, ela ficava tão tranquila dormindo, nem parecia a mulher geniosa e independente que era normalmente, a verdadeira força da natureza.

Ajeitei a mecha teimosa de seus cabelos, agora já um pouco mais longos com leves ondulações se formando nas pontas e tentei decorar aquela imagem o máximo possível na minha memória.

Aquele cheiro.

O corpo.

O rosto.

Passei meus dedos suaves pelo seu nariz, ela costumava arrebita-lo petulantemente quando queria me afrontar, Essa mulher... Eu queria tanto poder ficar.

Não importava o quanto ela era forte, isso não era vida para ela. Ficar indo onde o vento soprasse, uma hora não seria mais o suficiente, uma hora tudo que fosse bom acabaria e restaria só dor e mágoa. Eu temia isso, temia ser sua ruína. Ela merecia mais do que eu estava dando a ela, merecia mais do que eu tinha a oferecer.

Acariciei um pouco mais a sua face antes de deixá-la. Temendo não ter força para prosseguir com aquilo.

Sob a cômoda coloquei um recado.


"Não posso mais continuar

você merece mais."

                                      Simon.


Era tudo o que eu podia dizer, junto com ele deixei toda a quantia que tinha comigo, não era lá grande coisa, mas o suficiente para ela comer algo e voltar para sua cidade.

Fui um covarde, tive medo de ser um fardo. Fernanda era a minha pessoa, mas eu a deixei. Queria ser livre, foi o que eu repeti para mim mesmo esperando acreditar nessas palavras, mas a verdade era que eu não tinha mais nada para lhe entregar além daquela vida medíocre de cão de rua.

Eu a arrastei para o meu mundo patético e a deixei no inferno, ela merecia mais que aquilo, porém isso era tudo o que eu poderia dar... um coração partido e sua liberdade.

A porra de um estupido covarde, sim, eu era toda a merda.

Nunca mais...

Essas palavras se repetiam como lembretes doloridos em minha mente à medida que eu me distanciava, meu corpo todo parecia querer me alertar para a enorme burrada que eu estava cometendo, mas eu è claro ignorei.

Eu só não sabia o significado pesado dessas palavras.

Nunca mais...

RuínaOnde histórias criam vida. Descubra agora