CAPÍTULO 03

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Eu quase deixei a mala cair na hora que entrei no quarto. A minha garganta secou instantaneamente. Olhei em volta, tinha alguma coisa errada com o que eu estava vendo. O quarto era quase do tamanho da minha casa. Fiquei tão anestesiada com o choque de realidade que esqueci completamente de avisar minha mãe que havia chegado no hotel. Quando Diego disse que iria pagar meus gastos de hospedagem, eu sinceramente achei que fosse ficar em um albergue ou coisa do tipo, não no InterContinental de Buenos Aires. Só havia uma coisa a se fazer: repetir as cenas de cinema e pular com tudo na cama que, embora fosse de solteiro, parecia mais confortável que todos os lugares onde eu já havia dormido.
Acordei de manhã antes do despertador. Tomei um banho completo, coloquei uma roupa confortável e decente. Como tinha tempo livre, consegui até secar o cabelo. Mandei uma mensagem de 'bom dia' para minha mãe, dando um panorama geral de como seria a minha manhã. Calcei um tênis social aconchegante e joguei um casaco de moletom por cima do conjunto. Era abril ainda, mas a temperatura estava bem baixa. Quando estava já para sair do quarto, alguém bateu na minha porta. Chequei pelo olho mágico, Diego e Lucas estavam a postos. Abri a porta imediatamente.
- Bom dia! - Eu os cumprimentei, recebendo prontamente um abraço de Lucas.
- Bom dia, Diane. - Diego me cumprimentou com um aceno de cabeça. - Você já tomou café?
- Ainda não.
- Tem problema se você puder já ficar com o Lucas? Eu vou descer pra tomar café também, mas preciso já me apresentar. Aí, a partir de agora, eu já não posso mais ficar com ele oficialmente porque tenho que ficar concentrado com o time pro jogo, mas vou verificar as coisas sempre e não vou sair de perto do celular.
- Sem problemas, podemos ir pro restaurante. - Confirmei e tranquei a porta, caminhando ao lado deles direto para o elevador.
- Nós vamos estar na academia agora de manhã, antes do almoço. Se rolar qualquer emergência, pode pedir pra alguém me chamar   lá.
- Sim, senhor. - Respondi.
- Senhor?! - Diego arqueou uma sobrancelha, brincando.
- Desculpa. Eu acerto da próxima vez.
Diego riu da minha fala.
- Eu já deixei o cartão pra emergências com você, certo?
- Certíssimo.
- E a senha é...?
- A data de aniversário do Luquinhas. - Baguncei o cabelo do mais novo, que riu.
- Se ele precisar de qualquer coisa, pode usar. Confio no seu julgamento pra decidir se ele precisa ou não de algo. Esse cartão também pode ser utilizado pras suas refeições. E falando nisso, você pode levar o Lucas pro restaurante do hotel ao meio-dia? É o horário em  que vamos almoçar, vou tentar comer com ele.
- Sim, eu levo, sem falta.
- Se você quiser comer em outro lugar, pode comer também, não tem problema. Aí eu vou precisar de você à uma e meia da tarde. Isso, claro, se eu conseguir comer com ele.
- Acho que vou ficar por aqui mesmo. Se o senhor precisar que eu fique com o Lucas antes, eu vou estar por perto.
- Diego, Diane! É Diego! - Ele me chamou a atenção. - Vou descontar do seu salário o próximo 'senhor'.
- Tá ok, foi a última vez. - Anunciei na hora que o elevador parou no térreo e nós saímos, quase soltando um 'é Diana'.
- Eles têm piscina, você pode usar. Lá mesmo, eles dão toalhas. As roupas do Lucas estão no meu quarto, na mala dele, e a chave de lá é essa aqui. - Diego se virou para mim, já na porta do restaurante, e me entregou um cartão. - Qualquer coisa, você sabe onde eu to e pode ligar. Faltou alguma coisa?
- Eu queria saber se posso levar o Lucas ao zoológico depois do almoço.
- Claro, pode sim. Usa o aplicativo do Uber com a conta lá de casa, pode pagar os ingressos e os lanches no cartão pra emergência.
- Tá ok, obrigada. - Disse, percebendo que aquele era o ponto em que nos separaríamos. - Vou compartilhar a localização do meu celular com você, aí fica mais fácil saber onde nós estamos.
- Seria ótimo. Obrigado, mais uma vez, Diane. Você coloca o prato dele?
- Coloco sim. - Sorri para ele e peguei na mão de Lucas para seguirmos nosso caminho.
Comemos ovos mexidos com torradas e achocolatado, não tinha erro. Pela manhã, Lucas insistiu em ir para a piscina, já que escutara o pai dizer que estava liberado. Nós almoçamos e saímos assim que Diego me "devolveu" Lucas. Eu acho que era a criança naquele instante, porque Lucas não tinha nem dez por cento do tanto de animação que eu estava demonstrando. Havia estado incontáveis vezes no zoológico do Rio, mas a experiência nem se comparava. Lucas, é claro, não estava fora do país pela primeira vez, muito menos lhe faltava vivência em passeios interessantes como aquele. Eu que estava realmente fascinada.
Tiramos fotos com araras, camelos, elefantes, cabras, zebras, lhamas, até gansos. Quando passamos pelos felinos e Lucas viu pessoas tirando fotos juntos a leões e tigres, eu neguei veementemente. Não podia chamar a atenção dele de forma mais incisiva porque não era sua mãe, mas eu jamais permitiria que uma criança sob os meus cuidados entrasse na jaula com um animal daquele tamanho. Felizmente, antes de uma pirraça ser instaurada - seria a primeira de Lucas fazendo graça comigo, e eu não fazia a mínima ideia de como ia lidar com ela -, um funcionário do zoológico me indicou que havia uma sessão específica para crianças. Fim da história: Lucas - e eu, é claro, não resisti - tirou foto com um filhote de tigre.
Chegamos no hotel bem cansados, não sem antes passarmos em um McDonald's lá perto e acabarmos cada um com um sorvete caprichado. Assim que o elevador parou no nosso andar, Diego apareceu no fim do corredor com um outro homem. Lucas disparou, atropelando palavra com palavra em um discurso sobre tudo o que tinha feito naquele dia. Diego só conseguia rir enquanto abraçava o tanto que podia do filho sem precisar abaixar, então olhou para mim.
- Parece que deu tudo certo. - Ele comentou.
- Deu sim, ele gostou muito.
- Você teve notícias da Rebeca nesse meio tempo?
- Não. Até cheguei a enviar algumas fotos, mas ela nem visualizou ainda.
- Tia Di, mostra as fotos pra ele.
- O papai tá ocupado, Luquinhas.
- Mostra, por favor! - Ele implorou.
Diego riu, parecendo se lembrar imediatamente do colega que estava ao seu lado.
- Ah! Diane, esse aqui é o Diego. Outro Diego. Ele é o nosso goleiro principal. Diego, essa é a Diane, ela tá cuidando do Lucas por esses dias.
O homem sorriu para mim e me ofereceu a mão para um cumprimento, que aceitei de bom grado.
- Tudo bem?
- Tudo certo, - Respondi com um sorriso. - e com você?
- Tudo certo também.
- Diego, será que ela e a Isa não iam gostar da companhia uma da outra?
- Verdade! - O "outro Diego" comentou, pegando o celular no bolso da calça que estava vestindo. - Vou mandar uma mensagem pra ela.
Isabela era sobrinha de Diego e tinha ido para Buenos Aires com o tio e a mãe para ver o jogo também. Era um does importantes, algo sobre não continuar na competição se o time não vencesse. Eu realmente estava alheia a toda e qualquer regra de futebol, não era interessante para mim. De qualquer forma, nós conversamos rapidamente no corredor dos nossos quartos e, como uma gostou da outra - aparentemente -, marcamos de sair para um bar ou shopping. Quando eu argumentei que não poderia sair porque não tinha dinheiro e ainda precisava ficar de olho no Lucas, recebi um olhar taxativo do meu patrão e uma ordem expressa de que o cartão para emergências podia e devia ser utilizado, que era parte do meu bônus pela viagem. Deixamos um tempo de duas horas e meia entre o momento em que trocamos nossos números de telefone e a hora de sairmos. Por sorte, eu tinha lavado o cabelo, então usei o tempo livre para uma soneca rápida, já que Lucas ficou com a irmã do outro Diego, o pai permitindo porque eles se conheciam.
- Meu tio falou que você é a nova babá do filho do Diego. - Isabela comentou quando finalmente sentamos à mesa no Sullivan's Irish Pub & Restaurant, nosso destino encontrado pelo Google.
- Sou sim.
- Já tem quanto tempo?
- Faz quatro meses semana que vem.
- E você tá gostando?
- É ótimo. Paga as contas e sobra um dinheiro pra comer fora no final do mês, sabe? - Eu ri e Isabela me acompanhou.
- Eles brigam muito, né?
- Quem?
- O Diego e a Rebeca.
- Ah, isso não é problema meu. - Comentei e cheguei para o lado ao ver o garçom trazendo nossas bebidas, usando de um gracias muito mal adaptado ao sotaque carioca. - Sou paga pra cuidar do Lucas, e é isso que eu faço. Não devo me meter no casamento de nenhum dos meus patrões.
- Isso é louvável. - Isabela ofereceu a bebida dela na minha direção, como em um brinde solidário. - Você é a primeira que não se mete.
- Como assim?
- Eu acompanho bastante meu tio, sabe? Ele e a minha mãe são muito próximos. Ela faz o agenciamento das redes sociais dele e tudo mais, e eu to estudando pra ser jornalista esportiva em dois anos. Ficar perto desse meio é legal, já ensina algumas coisas. E você não é a primeira babá que eu conheço nessas viagens. Sem ofensas, seu trabalho não é motivo de vergonha, de jeito nenhum.
- Não ofendeu. - Respondi e bebi um pouco da cerveja.
- Então... Você é diferente.
- Isso é bom?
- Acho que é. - Isabela riu. - Você não quer fofocar sobre seus patrões. É a primeira.
- Minha mãe me educou bem.
- É uma boa explicação pra isso. - Nós duas sorrimos uma para a outra.
Ficamos conversando um pouco sobre a nossa vida pessoal. Isabela era de Ribeirão Preto, mas havia se mudado para o Rio de Janeiro com a mãe por necessidade de acompanhar o tio quando ele começou a jogar pelo Flamengo. Estava começando a cursar a pós-graduação em jornalismo esportivo pela PUC - só o nome da faculdade já me mostrava que 'pouco dinheiro' não era a situação ali na minha frente. Era três anos mais velha que eu. Montava o retrato do que deveria ser uma patricinha, mas Isabela era tudo menos superficial. Nós acabamos voltando para o hotel antes do que eu esperava, pouco depois das dez, porque ela tinha chamada de vídeo agendada com o namorado. Por minha vez, eu tinha a pendência de uma boa noite de sono urgente.
- Nós podemos sair amanhã. Você já veio em Buenos Aires antes? - Isabela perguntou quando já estávamos para finalizar a noite assim que peguei Lucas já adormecido no quarto que ela dividia com a mãe.
- Não, nunca tinha nem saído do país.
- Ah, então ótimo. Nós podemos ir no Museu Nacional de Belas Artes.
- Eu não posso, - Disse. - mas obrigada pelo convite.
- Não pode?!
- É, eu tenho que ficar com o Lucas amanhã o dia inteiro.
- Ah! Eu sei, bobinha. Falei pra levar ele também. E aí a gente pode ir até no Museu da Criança. Fica num shopping aqui perto, é legal até pra adultos. De qualquer forma, eu prefiro sair com um garotinho de quase cinco anos do que sair com mulher de jogador. Poucas daqui são companhias agradáveis, - Ela sussurrou e, olhando para os lados como se o assunto fosse top secret, chegou mais perto. - quase nenhuma, pra falar a verdade.
Nós duas rimos como se fossemos amigas por um bom tempo.
- Nesse caso, pode ser. Só preciso confirmar com o Diego...
- Ele vai deixar, não se preocupa. Ele é um cara legal, deve ser um patrão legal também.
- Mesmo assim, eu gosto de confirmar. - Argumentei. - Amanhã, antes do café, eu verifico a possibilidade com ele.
- Tudo bem. A gente se encontra no restaurante então?
- Claro, pode ser! - Respondi, animada.
- Até amanhã então, Di. Boa noite.
A viagem durou pouco mais de dois dias além daquele, e tudo correu dentro da mais perfeita ordem. Eu fui a um estádio pela primeira vez. Ainda por cima, fora do país. É claro, foi uma experiência estranha, mas eu fiquei feliz simplesmente por ver Lucas contente, torcendo pelo pai. Diego não era o pai com mais paciência do mundo, mas ele se esforçava, e isso criava um laço muito bonito entre eles, o tipo de coisa que eu gostava de admirar entre todas as crianças de quem eu já havia cuidado desde que começara a trabalhar como babá. Já eram melhores que muitas famílias dos meus empregos anteriores. Conheci um outro país, pontos turísticos que eram inalcançáveis para mim, vi um jogo de futebol de um campeonato importante e, de quebra, ainda acabei ganhando uma nova amiga no pacote. Havia, definitivamente, um saldo positivo naquela viagem. Além de, é claro, deixar meu irmão em casa morrendo de inveja.

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