11.º Capítulo

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Logo que o fim-de-semana findou, mais precisamente segunda bem cedo, ela deixou a minha casa, dizendo que iria a casa arranjar-se e que nos encontraríamos na escola. Disse-lhe que podia usar as minhas roupas, porém, ela recusou-se. Não era exactamente uma pessoa muito dada a mudanças mesmo que naquele caso fosse trazer-lhe vantagens. Porém é como eu mesma já tinha referido antes, a mudança tem que partir da pessoa, da sua vontade e enquanto isso não acontecesse, tudo permaneceria igual.

- Passaste este fim-de-semana a tentar fazer de casamenteira? – Indagou o Ivan de braços cruzados ao meu lado enquanto eu arrumava alguns livros sobre a secretária do meu quarto.

- Estive a ajudá-la a esquecer-se do problema com os pais. – Retruquei sem fitá-lo.

- E ao mesmo tempo incentivá-la a confessar-se ao Daniel.

- Eles ficavam bem juntos.

- Ele confessou-se a ti, Nina. Vocês também ficavam bem juntos.

- Tu também, Ivan? – Perguntei, parando o que estava a fazer e fitando-o. - Para quem não fala muito da sua vida amorosa, estás muito interessado na minha.

- Sou um espírito, uma alma que te guarda, obviamente não tenho nada para dizer.

Mais uma vez, fugiria da conversa. Como sempre, tentaria arranjar qualquer desculpa ou desvio na conversa para não falar abertamente sobre o seu passado distante. Todavia, dessa vez, ao contrário de tantas outras, insisti.

- Refiro-me ao tempo em que estavas vivo. Viveste mais ou menos até esta idade, não foi? – Finalmente arranjara coragem para perguntar coisas que guardava para mim. – Mesmo que tenha sido há séculos atrás, deves ter tido uma ou outra namorada.

- Havia uma rapariga interessada, mas naquela altura não era como agora, não havia tanto tempo livre. – Respondeu, mantendo-se no mesmo lugar ao passo que eu já me tinha afastado um pouco.

- E tu? – Perguntei, fechando o casaco diante do espelho.

- Eu?

- Disseste que ela estava interessada e o quanto a ti?

- Não sei, não a conhecia muito bem e nem ela a mim, mas por algum motivo gostou de mim. Foi pouco antes de morrer por isso, não tive muito tempo para sequer analisar o que sentia. – Sorriu um pouco. – Ela aparentava estar muito feliz e acho que tu devias experimentar uma sensação semelhante. Tens todo esse direito e não acho justo que o negues só porque és mais especial que as outras pessoas.

- Esse “especial” faz muita diferença. Bem, deixemos esta conversa de lado e vamos embora porque se não sair agora, vou chegar atrasada.

O Ivan normalmente não falava muito do seu passado, isto é, da altura em que vivera. Justificava-se, dizendo que não haveria nada que fosse muito interessante para me contar pois tinha vivido numa época francamente monótona. Todavia, alguma coisa dentro de mim dizia que seria algo bem mais profundo do que isso. Outros espíritos, ou seja, outras pessoas independentemente da época costumavam guardar recordações que até tinham gosto em partilhar comigo. Sem exceção, todos guardavam em si momentos que tristes ou alegres os marcavam. Com certeza, com o Ivan não seria diferente e por ser o meu espírito guardião durante todos aqueles anos, respeitei segredo que fazia sobre o seu passado. Porém, dentro de mim continuava a existir aquela esperança de que algum dia se abrisse um pouco mais comigo. Assim como me tinha escutado ao longo dos anos, queria retribuir. Não me importava o quão monótono, ele pensasse que o seu passado era, para mim, seria sem dúvida, algo que gostaria de ouvir.

Arrumando esses pensamentos num recanto da minha mente, concentrei-me na realidade à minha volta. Já estava na escola juntamente com os meus amigos e outros colegas, ainda que o tempo na sua opinião estivesse convidativo para passar o dia em casa.

Anjo EsquecidoWhere stories live. Discover now