Capítulo único

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O SOL RAPIDAMENTE DESCIA POR TRÁS das montanhas e das copas das árvores, e as sombras começaram a se avolumar em torno de Caíque sem que ele se desse conta. O rapaz encontrara repentinamente uma estreita trilha de terra, estava tão concentrado em não perdê-la (como se fosse possível o chão da floresta simplesmente sumir sob seus pés) que, quando se deu conta da súbita escuridão, enfiou a mão no bolso lateral da mochila e retirou uma lanterna.

Caminhando a passos largos, Caíque pegou o celular e teve a confirmação: nada de sinal. Nesse tempo, desde a última vez que verificara, não recebeu mais nenhuma resposta de Juliano. Cadê você!, era o que dizia a última mensagem. Diante da situação, o rapaz não teve dúvidas do que devia fazer: explicara aos pais o que estava acontecendo, pelo menos até onde sabia. Tratou de esconder apenas um detalhe: onde pensara em procurar o namorado. Se seus pais soubessem em que trevas em estava se enfiando...


***


QUANTO MAIS SE APROXIMAVA DE ONDE imaginava que Juliano estaria, mais tinha vontade de gritar, chamar por ele. Ele sabia que ninguém morava por perto, nem mesmo agentes florestais transitavam por ali. No fim das contas todo mundo na cidade tinha razão em dizer que aquela região era de dar nos nervos.


***


AO CRUZAR UM MORRO E SE ENROSCAR em mais uma cerca de arame farpado (era a terceira ou a quarta?), avistou a estrada de asfalto que antes levava as pessoas ao parque. Menos mal. Achava-se sortudo por não ter visto nenhum bicho desde que adentrara na reserva. Quem sabe até mesmo as criaturas tinham medo de andar por ali à noite. Como não poderia deixar de ser, tudo em torno era mato e desolação.
"Juliano, você tem que tá aqui", pensou Caique.
 
"Tem que estar, eu sei que tá."
Caique parou repentinamente, prendeu a lanterna no meio das coxas, levou as mãos à boca, em forma de concha, e fez um mínimo movimento para chamar pelo namorado. Mas, tão repentinamente quanto chegou, essa ideia sumiu de sua mente: sentia alguma coisa lhe dizendo no fundo da sua alma para fazer o mínimo possível de barulho.

Demovido da ideia, apertou o passo sem olhar para trás.

Seguindo a estrada, não demorou muito para encontrar o portão de entrada do antigo parque de diversões. Quase não se via as partes metalizadas, as heras emaranhavam-se entre as tramas de arames. Ainda imponente, uma das grandes folhas de ferro continuava em pé. A outra, meio tombada para dentro, parecia ter sido movida recentemente.

― Sim, ele tem que estar aqui ― sussurrou para si mesmo, acalmando-se.

Tentou enfiar-se por baixo da entrada sem esbarrar em nada, porém a mochila acabou ficando presa nalguma grade.

― Merda! Só você, Juliano, pra vir prum lugar desses de noite.

Ainda agachado, tentando manter a calma, passou um dos braços por dentro da alça, tentando se soltar da mochila. Faltava apenas tirar o outro braço. Entretanto, alguma coisa lhe tocou de leve na nuca, e Caique, sem pestanejar, jogou o corpo todo para o lado, para longe dali, desenroscando-se na marra. Como resultado, uma das alças da mochila rasgou-se.

― Vamos, Caique, vamos rápido pra sair o quanto antes desse lugar.

Mantendo o facho da lanterna direcionado num ângulo baixo, apenas um pouco à frente, Caíque sentia um frio percorrer-lhe a espinha a cada passo por aquele lugar cimentado e ainda sim selvagem. Havia um grande pátio, onde antes barraquinhas de guloseimas aboletavam-se e disputavam a tapa a preferência dos fregueses. Circundando tudo, os brinquedos comuns em parques do interior. Ainda imponente, uma roda gigante tomada por heras parecia exigir que apertassem o botão e a fizessem funcionar novamente.

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