Oto e Apaixonadamente

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Oto e Apaixonadamente

Os dedos de Oto estavam sujos de tintura e grudentos de goma. A noite avançava e ele ainda trabalhava. Ele estava sempre trabalhando.

Morava no segundo andar de sua loja de flores de papel. Esse pequeno espaço ele o dividia entre moradia e oficina. Tudo era, contudo, organizado e bonito, como se esperasse visita. Ele esperava, não sabia quem e nem quando, sequer sabia se viria; mas pensava: — e se vier? Tudo tinha que estar arrumado para impressionar.

Seu comércio também era assim: parede, piso, candelabros, vitrines e mostruários. Tudo sempre pronto para agradar. Seu mundo era aquele: sua boutique de flores e seu ateliê-casa, locais onde ele se sentia seguro. Oto era assim, encapsulado em seu universo, saia pouco, conversava pouco.

Ficava até mesmo pouco tempo na loja. Para atender os clientes, havia um funcionário. Oto não se adaptava com gente, não gostava de falar longamente, gostava do silêncio.

Nesse mundo bolha, contudo, se sentia incompleto. Parecia que faltava alguém.

Na mesa de trabalho, ao lado de suas flores, um objeto inusitado estava depositado, um periódico: Poetas da Noite. Um impresso onde os poetas da cidade portuária mostravam seus talentos. Oto não tinha muita certeza se gostava de poemas, tinha comprado o folheto por cortesia.

Depois de terminada a jornada de trabalho, Oto limpou-se e se alimentou. Sempre jantava sopas nutritivas e variadas feitas por ele. O almoço, geralmente, era pão e presunto, ou peixe seco, e frutas, sempre comia frutas.

Terminada a refeição, sentou-se para ler. Achou graça nos codinomes dos poetas, alguns, definitivamente, estavam ocultando sua verdadeira identidade, outros davam a perceber até mesmo os nomes de família.

Ao acaso leu um poema que o chocou. Procurou saber sobre o escritor e nada encontrou. A única identificação era o codinome: Apaixonadamente.

Releu o poema com espanto.

Como é o vosso rosto?

O toque da vossa pele?

O brilho dos vossos olhos?

Para satisfazer meus afetos.

Achou muito ousado. Íntimo demais. Não entendeu tanta indiscrição.

Agitou-se de maneira estranha, o poema não o deixava em paz, parecia ser um recado enviado para ele, escrito pela pessoa que ele esperava. Isso o fez pensar melhor em quem seria a tal visita, em quem deveria subir pela escada estreita e cheirando à cera vermelha, com que lustrava as madeiras dos degraus; quem tomaria chá em sua melhor porcelana e o faria mandar comprar, às pressas, biscoitos de polvilho. Viu a barra da saia varrer seu piso limpo, claramente era uma mulher que ele esperava.

Gostou de pensar que no mundo as pessoas procurassem, arriscou-se a definir: um amor. Era isso, esperava um amor. Não uma visita. Esperava o amor.

Pensou que já era velho demais para isso, mas mesmo assim se sentia feliz. Leu, releu e decorou. Naquela noite, dormiu aninhado pela poesia e pela sua descoberta de que esperava um amor.

Oto havia herdado de seu pai a casa, a oficina e o talento de fazer flores. Seu pai, por sua vez, havia herdado tudo do avô. Era assim naquela cidadezinha, onde as casas e as lojas, construídas de pedra, se espremiam nas ruas sinuosas e estreitas, os filhos herdavam dos antigos o ofício e a obrigação de manter o legado. Ele não se importava, gostava de fazer flores.

Naquele dia, Oto estava atendendo na loja, que era o que ele menos gostava de fazer, preferia fazer flores. Um jovem entrou vendendo a tipografia dos poetas. Oto não se conteve e perguntou:

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