Capítulo um.

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— Olha, tem um unicórnio aqui.

Abrindo um sorriso, pego a carta das mãos de Scorpia e me recosto no ninho de sacos de dormir e travesseiros que arrumamos dentro da pequena barraca laranja que montei no quintal.

O sol se pôs há uma hora, e o único foco de luz é o da minha lanterna Coleman, que está presa em um pequeno gancho no teto da barraca. Desde o sexto ano não fazíamos um acampamento no quintal, mas é verão e estávamos entediadas, então montar a barraca pareceu ser algo divertido a fazer.

— Está vendo agora por que eu queria estudar lá? — pergunto enquanto guardo a carta de volta no envelope. — Qualquer lugar que usa um unicórnio na correspondência oficial é um bom lugar pra mim.

— Obviamente — Scorpia reforça, se recostando também.

Conforme ela se ajeita nos sacos de dormir, seus cabelos platinados encostam no meu braço, acelerando meu batimento cardíaco e soltando uma revoada de borboletas no meu estômago.

Apoiando-se nos cotovelos, Scorpia olha para mim, as sardas em seu nariz se sobressaindo sob a luz da lanterna.

— E você entrou!

Concordando com a cabeça, eu olho para o envelope de Bright Moon, um colégio interno sofisticado nas Terras Altas da Escócia, me segurando para não pegar a carta de novo e reler o cabeçalho.

Cara senhorita Elizabeth Catra Applesauce:

Temos o prazer de oferecer uma vaga em Bright Moon…

A carta está guardada na minha bolsa há mais de um mês. Ainda nem contei para meu pai. E não tinha planejado falar disso com Scorpia também, mas ela a achou quando estava procurando um hidratante labial.

— Então por que você não vai? — ela pergunta, e eu dou de ombros, pegando a carta e guardando de volta no bolso da frente da bolsa surrada que eu carrego comigo para todo canto.

Uma leve brisa sacode o náilon da barraca, trazendo o cheiro das noites de verão texanas – grama recém-cortada e o aroma defumado de alguém fazendo churrasco.

— Catra, você fala desse colégio o tempo todo já tem, tipo, um ano — Scorpia insiste, me empurrando com a mão livre. — E agora você foi aceita e não vai?

Dou de ombros de novo enquanto suspiro e mexo com o cabelo.

— É supercaro — digo, o que é verdade. — Então eu precisaria conseguiruma bolsa. E é bem longe.

O que também é verdade. Apesar disso não ter me impedido de sonhar em ir
para lá o ano passado inteiro.

Bright Moon está no pico nas Terras Altas da Escócia, rodeado de montanhas e lagos – quer dizer, lochs –, além de todas as amostras de rochas que uma doida por geologia que nem eu poderia querer.

Mas as coisas eram diferentes com Scorpia no ano passado.

Somos amigas desde os nove anos, e eu tenho uma queda por ela desde os treze, quando percebi que sentia por ela uma coisa que nunca senti por nenhum menino.

E minha queda pela Scorpia tinha tanta chance de ser correspondida quanto a
paixonite que eu tinha por um garota de cabelos ruivos em um filme de bruxo.

Pelo menos, era o que eu achava.

Agora ela se aproxima de mim sobre o saco de dormir estampado com margaridas que tem desde o primeiro acampamento do sexto ano.

Diferentemente de mim, Scorpia não curte muito acampar.

Ela acaricia meu braço com os dedos, deixando as unhas arranharem a pele de leve, e minha respiração tremula quando fico arrepiada. Cada unha está pintada num tom diferente de roxo, o polegar em lavanda claro, o mindinho num violeta tão escuro que parece preto. Ali, naquela barraca, com a noite de verão ao nosso redor, sinto que poderíamos ser as únicas duas pessoas no mundo.

𝙎𝙪𝙖 𝙖𝙡𝙩𝙚𝙯𝙖 𝙧𝙚𝙖𝙡 * 𝐂𝐚𝐭𝐫𝐚𝐝𝐨𝐫𝐚Kde žijí příběhy. Začni objevovat