A menina que se alimentava de sonhos

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Era uma vez uma menina que se alimentava de sonhos.

Seu nome era Deusa, mas seus pais a chamavam de Deusinha.

No começo, Deusinha se alimentava de sonhos, porque era a única coisa que havia para comer além de arroz em casa. Logo após ter um sonho, sua barriga a acordava de madrugada só para que o desse.

Depois, quando o pai finalmente conseguira um emprego, Deusinha passou a comer melhor, pois agora além de arroz havia outros alimentos durante as refeições.

Sua barriga já não a incomodava tanto, mas Deusinha manteve o hábito de comer sonhos, porque a maioria deles tinha um sabor doce que derretia na boca; ela imaginava um mar de mel agitado sobre sua língua. O salário do pai não podia custear doces.

Mais tarde, a mãe da menina também conseguiu um emprego e foi assim que a casa passou a ter doces. Agora, após preparar e comer a janta, Deusinha podia comer de sobremesa uma paçoca ou um pé-de-moleque, às vezes podia até mesmo chupar alguns sachês de mel, sua sobremesa preferida.

Mas Deusinha manteve o hábito de comer sonhos, porque, além de gostosos, eles eram de aparência agradável. Desde que o vira na televisão, Deusinha sonhava frequentemente com o Monte Evereste, ele parecia tão grande e gelado; imensurável e intocável. Ela acordava de madrugada apenas para comê-lo.

Deusinha começou a pedir aos pais para que viajassem até o Monte Evereste e eles a olhavam daquele jeito que Deusinha detestava, como se ela tivesse dito uma grande besteira. Os pais mal tinham dinheiro para sair da periferia, imagine ir àquele lugar que parecia infinitamente distante. E por que tal fixação logo com uma montanha que era impossível de subir? Magra e estabanada do jeito que era, se Deusinha tentasse escalar o Monte Evereste seus ossos se estatelariam até lá embaixo no primeiro tropeço. Por que a menina insistia em tamanha loucura? Preocupados, os pais viram que era indispensável levá-la ao médico.

O médico afirmou que Deusinha estava sofrendo delírios por "intoxicação onírica". A mãe ficara irritada com Deusinha ao descobrir tal hábito de acordar à noite para comer sonhos escondida. Pior do que comer comida do lixo, era comer sonhos. Já o pai, que costumava ser o mais bravo, ficou demasiadamente pensativo, observando a menina por longos minutos. Ele há muito havia esquecido que também sofrera do mesmo mal quando criança. Conforme fora crescendo, os sonhos foram se dissipando até que não restasse um sequer para alimentar seu vício.

Tentar obrigar a menina a largar o vício seria inútil, o pai sabia. O tempo era o único remédio que poderia curá-la. O pai logo ficou doente de preocupação, não queria que Deusinha se estatelasse montanha abaixo, mas se o problema fosse hereditário, era o que provavelmente aconteceria.

O pai veio a falecer e a cura iniciou.

a menina que se alimentava de sonhosWhere stories live. Discover now