Capítulo 2

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É estranho ter que sair de casa assim. Sabendo que nunca mais vou voltar. Fechei a porta do meu quarto e tudo que eu conseguia pensar era em como fui feliz naquele lugar. Durante os 17 anos da minha vida, cresci e amadureci ali. Eu e Alice.

Minha mãe se aproximou por trás de mim enquanto eu fitava a porta do meu quarto fechada.

- Está pronta, Bianca? - perguntou enquanto passava o braço sobre meus ombros.

- Acho que sim - foi só o que eu consegui responder.

- Vai dar tudo certo, minha filha. Você vai ver. Tenho certeza de que vamos conseguir reconstruir nossas vidas. Eu e seu pai queremos muito que você seja feliz.

Respirei fundo e abracei minha mãe. Não sabia agradecer de outra forma tudo aquilo que ela e meu pai sempre fizeram por mim. E mais ainda o que estavam fazendo naquele momento. Tinha certeza de que era tão difícil para eles quanto para mim.

Depois de trancar a casa e colocar a bagagem dentro do porta-malas do táxi, dei uma última olhada na fachada. As paredes amarelas e janelas brancas provocaram um nó em minha garganta. Havíamos pintado juntos, eu, meus pais e Alice, dois anos antes. Doeu perceber que aquele não seria mais um lugar para chamar de meu.

Logo eu, que sempre tive tanto orgulho de morar na Cidade do Rock. Onde alguns de meus maiores ídolos começaram. Eu e Alice éramos fãs absolutas do rock nacional, principalmente de bandas nascidas em Brasília como Legião e Capital.

Nunca me imaginei deixando a minha cidade para trás daquele jeito. O plano piloto, os luais no Lago Norte, os piqueniques no Parque da Cidade, os fins de tarde atrás da Esplanada ou na praça do Rock... A minha Brasília.

Todo o caminho até o aeroporto foi meio melancólico. Era a última vez que o faria. Quando passei pela casa de Alice precisei respirar fundo para não chorar. Durante toda minha vida aquela tinha sido minha segunda casa.

A família de Alice era quase parte da minha. Nossos pais eram amigos de infância, assim como nós duas. Crescemos criadas como irmãs. E, no fundo, éramos uma grande família que se amava. Mas a tragédia levou, junto com Alice, todo esse carinho que existia entre nós.

Os fones de ouvido não me deixavam escutar a conversa entre minha mãe e o taxista. E, ao mesmo tempo, a confusão de sentimentos na minha cabeça me impedia de prestar atenção na música que ouvia.

A sensação de deixar um lugar de onde você nunca cogitou sair é como um "para sempre" que acaba de repente. Mas já tinha prometido para minha mãe, para mim mesma e, é claro, para Alice, que não haveria mais lágrimas.

Ia embora para reconstruir minha vida. Achei que estaria mais preparada, que seria mais fácil. Sabia que era o melhor a se fazer depois de tudo o que aconteceu, mas não conseguia evitar a angústia. Sentia como se um pedaço se desprendesse de mim.

Ainda era noite quando chegamos ao aeroporto Juscelino Kubitschek. Enquanto minha mãe fazia o check in, falei que ia ao banheiro e gravei de lá mesmo o segundo vídeo do Diário para Alice. Era só com ela que eu queria dividir toda a angústia de deixar Brasília.

Talvez um dia, quando estiver mais forte, encontre coragem para voltar e reunir os pedaços que ficaram para trás. Mas naquele momento, preferia deixá-los exatamente onde estavam. Na bagagem, levaria apenas Alice comigo.

Um Diário para Alice [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now