Prólogo

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Prólogo

"Samantha Miller é uma bomba relógio."

Foi isso que escutei dos médicos em um dia chuvoso no hospital, acho que eu tinha uns 12 anos e eles estavam no meu plantão. Foi uma semana difícil, fiz um transplante de rim já que um meu não estava lá essas coisas; eu acordei no meu quarto e os ouvi dizer isso.

Desde então eu comecei a prestar muita atenção nas conversas das madrugadas, são sempre elas que nos revelam o que queremos saber; qual bebê nasceu mais bonito, quem morreu na cardiologia, qual foi a paciente que saiu com o nariz torto da plástica... Tudo isso nos sussurros dos corredores.

Não é que eu seja uma enxerida, minha irmã Liz até me disse que eu sou imune a fofocas, mas é que não se tem muita coisa para fazer no hospital, pós cirurgia é impossível dormir, então escuto os sons da noite. Hoje por coincidência me lembrei daquela frase, eles estavam falando de mim e do meu pouco tempo de vida.

Nem sempre as fofocas são certas, pois aqui estou eu, com meus 20 anos e fazendo tic tac para minha contagem do tempo, virou um mistério o momento exato em que vou explodir. É um jogo, um jogo intenso, beirando uma roleta russa; mas eu estou pronta para esse tal momento.

Minha mãe sempre me corrige, odeia esse tipo de assunto, mas eu quero falar abertamente porque é ela que vai ficar aqui, então ela tem que saber minhas flores preferidas ou qual música tocar no meu velório; um dia eu vou morrer e toda a minha história vai viver apenas dentro dos que me conheceram.

Vou viver no menino de aparelho que me deu meu primeiro beijo de baixo da arquibancada da escola, vou viver na minha irmã que escolheu fazer medicina por mim, vou viver no sorveteiro que sempre guarda o sorvete de chocolate pra mim, também na minha mãe, que se recusa a dizer adeus.

Ignorando os casos constrangedores, como por exemplo aquele ruivo que tirou minha virgindade na festa de formatura da minha irmã, eu não sei se quero viver nele e nos nossos seis segundos de ato; nem mesmo no segurança do shopping que já me carregou para fora do cinema pois eu desmaiei de medo do filme; não, essas pessoas não precisam me cultivar dentro delas.

Talvez eu tenha poucas pessoas para guardarem minha vida, mas tudo bem, isso significa que eu terei menos pessoas para me despedir. E provavelmente, menos tempo. Na última semana ouvi nos corredores vazios "não dou mais um ano de vida para ela". É isso, meu prazo está contado.

São 365 Dias para morrer.

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