Diana

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Dallas, Texas

A brisa fria da madrugada era reconfortante e ao mesmo tempo atormentadora. A cerveja barata da loja de conveniência estava quente a aguada, mas no momento, estava aceitando qualquer merda com teor alcoólico.

O emprego dos meus sonhos me enxotou como um lixo humano para fora da empresa no dia anterior, acho que nunca me senti tão injustiçada em toda minha vida. Eu amava trabalhar naquela empresa e agora estou desempregada, tomando cerveja barata numa loja de conveniência nojenta que só tem amendoim, balas e cervejas ruins. Dou um último gole através do gargalo da lata e a arremesso em cheio numa lixeira por perto, a rua estava silenciosa e muito fria, o inverno estava nos cumprimentando com o seu sopro congelante e nos confortando para a época de festas que estão por vir.

Coloco as mãos no bolso do meu casaco e rumo de volta para minha casa, depois de uma crise ao saber que perdeu o emprego, a última coisa que queria era ficar trancafiada na minha casa. O som das minhas botas contra o chão úmido me faziam prestar atenção na realidade e não divagar em qualquer tipo de merda que a minha criativa mente estava tentando me fazer imaginar.

Talvez com o dinheiro que iria receber da empresa, eu fosse visitar os meus pais em Charlottetown, tirar um tempinho para a minha cabeça e depois retornar para procurar emprego. Isso, acho que irei fazer isso, já faz muito tempo desde que os vi.

Saco meu celular do bolso decidida a ligar para meus pais, mas ao ver o horário no relógio, desisto, afinal, era madrugada. Devolvo o celular e sigo apressadamente meu rumo para casa, queria dormir e esquecer por um momento o que estava acontecendo com a minha vida. Ao avistar a casinha de madeira da senhora Jude, vejo que as luzes estão acesas e a chaminé solta fumaça, ela estaria acordada a esta hora da noite?

Decido fazer uma visita a ela, já que a senhora Jude é de idade e raramente vejo os filhos vindo cuidar dela. Subo os três pequenos degraus e entro na varanda, batendo à sua porta, sem nenhuma resposta. Bato novamente e escuto passos arrastados e demorados pelo assoalho velho da casa, logo ouço o barulho das trancas da porta e a imagem da senhora Jude aparece ao abri-la.

— Oh, Diana, está tudo bem? - Ela estava com um robe verde musgo e os cabelos presos num coque, ao que parecia ela estava bem.

— Desculpe incomodar senhora Jude, eu estava indo para casa e vi todas as luzes acesas e decidi ver se estava bem. - Ela sorri e as rugas ao redor dos olhos encolhem.

— Estou bem, minha flor. Você que não parece estar em seus melhores momentos, quer entrar? - Ela abre um pouco mais a porta me dando passagem.

— Se não for lhe incomodar...

— Claro que não incomoda vamos, entre. Está frio aí fora- Passo por ela e ela logo fecha a porta e a tranca, observo toda a casa e ela me passa um sentimento familiar e reconfortante.

— Eu estou fazendo chá, quer um pouco? O tempo está bem rigoroso, nunca senti algo assim desde os 30 anos que moro nesta casa. - Ela ruma a cozinha e tiro meu casaco e o penduro numa arara próximo a porta logo a seguindo.

— O jornal está dizendo que este é o inverno mais frio e rigoroso da cidade em mais de 40 anos, muitos agricultores e criadores de gado estão preocupados.

Ela apaga a chama do fogão e retira a chaleira, a colocando sobre um apoiador sobre a mesa, ela limpa as mãos num pano sobre o ombro e se senta, ela aponta para a cadeira ao seu lado me indicando onde sentar e obedeço, e ela diz:

— Creio que haverá muitas perdas, mas não podemos controlar o tempo, então o que nos resta é rezar ao nosso bom Deus. - Ela segura o pano e logo pega a chaleira, servindo uma xícara posta em sua frente e me entregando.

— Tem razão! Espero que eles fiquem bem e não percam todo o sustento. - Seguro a xícara e sopro levemente o líquido fumegante e gostoso.

— E como vai o emprego minha flor? Conseguiu aquela promoção que tanto almejava?- Ela se levanta e vai até o armário pegar uma xícara para ela, repetindo o processo de colocar o chá e soprar levemente antes de beber.

— Eles me demitiram, senhora Jude, aquela promoção foi uma ilusão que eu realmente desejava. - Finalmente tomei um grande gole do chá quente e percebi que é chá calmante.

— Oh minha querida, eu sinto muito. Se você não conseguiu, quer dizer que não é a hora. Creio que logo achará um emprego melhor que o antigo e conseguirá uma promoção muito melhor, tenha fé. - Ela sopra novamente o chá e bebe devagar, e para desviar do assunto que tanto me incomoda, decido perguntar:

— Isso é chá calmante, a senhora está bem mesmo? Pode me contar qualquer coisa que irei escutá-la e ajudá-la como já fez tantas vezes comigo. É o seu filho? Quer que eu chute a bunda dele?- Ela dá risada e descansa a xícara sobre a mesa, logo me olhando com olhos um pouco perturbados.

— Ultimamente eu venho tendo muitos pesadelos, querida. A maioria deles são muito vagos e embaraçosos, mas o último que tive foi muito claro e confesso que tive medo, era muito realista e podia jurar que sentia uma água agitada contra o meu rosto. - Os olhos dela se perderam a sua frente por alguns segundos, ela parecida realmente perturbada mas logo continuou: - Eu estava num campo, não consegui identificar que tipo de plantação era pois nunca vi aquele tipo de planta em toda minha vida, eu andei por alguns metros e mais a frente vi uma caverna que eu deveria passar através de águas agitadas, como o mar furioso, porém aquela cor da água era de um azul tão vívido e brilhante que me hipnotizava me chamava. Eu segui o caminho até a caverna e senti a água sobre o meu rosto e quando entrei vi algo que brilhava, como uma lanterna bem forte sobre a escuridão. Em volta tinham muitos cristais que brilhavam e quando vi o que era aquela luz forte, não sei exatamente o que senti, mas era algo parecido com horror e alívio. Do teto até o chão, um espelho enorme e reluzente, diria até que era mágico.

Ela se perde em pensamentos e logo pega a xícara novamente e tomando do líquido, mas não parecia que o sonho dela parava por aí, então a instiguei:

— E depois que o encontrou, o que aconteceu? - Ela paralisou e suas mãos estavam trêmulas, ela depositou a xícara sobre a mesa novamente e me olhou, o que seu olhar demonstrava era terror, muito medo para um sonho.

— Eu ouvi um barulho, logo atrás de mim, e quando olhei... Eu vi... Uma criatura. Ela estava me observando com aqueles olhos grandes amarelados de felino, porém se parecia com um lagarto de gola gigante, abrindo e fechando diversas vezes aquela pele ao redor da cabeça. A cauda era enorme e estava balançando como se estivesse se preparando... E então aquela criatura, ela... Pulou em cima de mim. Eu senti ela me matando, senti as garras perfurando a minha pele, senti me rasgando e quando acordei eu estava totalmente ensopada, em volta da minha cama, tudo estava completamente molhado como se alguém tivesse me molhado com uma mangueira, acho que nunca senti tanta angústia e medo em toda a minha vida Diana.

Eu estava totalmente paralisada, este sonho era horrível e eu não sabia bem o que falar para confortá-la neste momento. Depositei a xícara sobre a mesa que coloquei a mão em seu ombro.

— Senhora Jude, sinto muito que se sinta dessa maneira, só foi um sonho, nada irá atacá-la. Quer que eu passe alguns dias aqui com a senhora para lhe fazer companhia? - Ela sorri meio sem graça, pega a minha mão sobre o seu ombro e a aperta me passando a sensação de que ela estava bem.

— Estou bem, minha querida, muito obrigada por me ouvir. Eu irei passar alguns dias na casa dos meus filhos, uma semana na casa de cada um. Creio que deva visitar os seus pais também, nunca é demais.

Sorrio para ela e a mesma me acompanha, a mesma se aproxima de mim e me abraça bem apertado, como se quisesse se lembrar deste momento. 

A oitava dimensãoWhere stories live. Discover now