II. Smith.

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  Erwin Smith era filho prodígio de um bancário e também assessor de negócios da família real. Havia crescido com um futuro garantido sem grandes esforços: Tinha acabado de terminar a faculdade de medicina, e seguiu os passos de seu pai com a família real. Nunca se preocupou com o que comeria, ou onde dormiria. Sua única preocupação foram seus estudos, e agora, seu trabalho como médico. Não porque aquilo lhe dava sustento, mas porque amava. Sua família seria perfeita, se não fosse seu pai um adúltero. Quando era criança, escutava o patriarca chegar em casa de madrugada com a desculpa que havia trabalhado até tarde com a rainha. Na adolescência, descobriu que ele tinha outra família e ainda frequentava bordéis a noite, aquilo foi um choque, mas os costumes da época não permitiam uma separação. Nada daquilo levaria a algo, devido a condição financeira dos Smith, e a submissão que as mulheres tinham na época. Na verdade, ter relações extra conjugais era normal naquele período. No final das contas, Erwin só tinha uma certeza: Que não queria ser como seu pai. Após formado, o mais novo dos Smith fazia pequenos trabalhos assistenciais na família real, e convivia diariamente com a alta elite de Paradis.

- Erwin, iremos te levar a um lugar hoje. É surpresa. - O recém médico arqueou as sobrancelhas, desconfiando daquele convite vindo de um amigo de longa data.

- Hoje à noite irei atender uma família, Mike. Sinto muito...

- Cancele, Smith. - Disse seu amigo, Mike Zakarius, conselheiro real. Mike era um homem da idade de Erwin, mas um pouco mais excêntrico. Tinha cabelos claros e um cavanhaque, o que dava pelo menos cinco mais a mais em aparência. - Já te disse que ajudar famílias do subúrbio é perda de tempo. - Aquela fala de certa forma ofendeu o médico, que já vinha aguentando piadinhas do amigo há bastante tempo. Erwin suspirou.

- Eles precisam de cuidados. - Erwin era bastante calmo para alguém que aguentava as graças de Mike por tantos anos.

- Besteira! São vermes, insetos da sociedade. Sujam nossa linda Paradis e espalham doenças. - Mike estava convicto que toda a sujeira de Paradis partia dos mais pobres, e não da própria burguesia, na qual ele mesmo fazia parte.

- Mike. - Aquele assunto tirava Erwin do sério. - Se continuar falando dessa forma...

- Vai fazer o que, Smith? Qual é, relaxe! Saia comigo hoje, apenas hoje.- Ele inspirou todo ar que podia. Brigar com Mike era como dar murro em ponta de faca, o amigo parecia não ter noção de quando assuntos eram sérios, ou o quanto Erwin se importava com seu trabalho.

- Irei atender a família e depois te encontro. As 21h. E por favor... Não se refira aos meus pacientes dessa forma de novo. - Finalizou sério, dando as costas a Mike que continuava com um sorriso sarcástico, de quem realmente não dava a mínima. Após isso, combinaram um ponto de encontro, teria que engolir seu amigo naquela noite, mesmo contra sua vontade.

  A família na qual Erwin atenderia gratuitamente morava no subúrbio de Paradis, em uma pequena casa. O casal e as quatro crianças trabalhavam em uma fábrica, e o menor deles, um bebê de 6 anos, havia desenvolvido uma pneumonia severa por conta das condições de trabalho. Erwin havia os conhecido no recém desenvolvido metrô, pedindo alimento. O pequeno menino tossia muito e estava visivelmente debilitado. Erwin trouxe, além de seus remédios, alimentos e roupas para que garantisse ao menos uma semana de conforto para a família.

- Ele não pode mais trabalhar. - Disse o médico, examinando a criança. Abriu a maleta, separando uma pequena fronha úmida, oferecendo-a para a mãe limpar o corpo do menino, enquanto separava os medicamentos.

- Doutor, infelizmente não podemos deixar de trabalhar. - A mãe da criança tinha os olhos cheios de lágrimas, limpando seu bebê revestido a pó preto da fábrica, ele tossia sem parar. O pai mantinha-se de pé, a cabeça baixa, envergonhado de não ter outra escolha a não ser permitir que seu bebê continuasse naquelas condições. Não era culpa do patriarca, afinal. O sistema o obrigava a isso. Erwin suspirou, abrindo o frasco do xarope.

- Trouxe algumas roupas e comida suficiente para que o deixe descansar enquanto se recupera. Ele sequer tem forças para ficar de pé. Se retornar à fábrica, acredito que não irá resistir. - Embora as palavras fossem duras, Erwin não iria permitir que aquela criança retornasse ao trabalho.

- Preciso que seu filho sobreviva, mãe. - Disse por fim, pegando a criança em seus braços. Cuidadosamente ofereceu o xarope, a princípio rejeitado pelo bebê, mas que acabou por tomar, acreditando ser algum alimento. Não fazia ideia de há quanto tempo aquela família não comia uma refeição apropriada. A mãe da criança limpou as lágrimas, agradecendo gentilmente.

- Pode fazer uma sopa para ele? Ele precisa comer, assim como todos vocês. - Disse, voltando a criança para os braços da mãe. Esta que, fez sinal para que sua filha mais velha, de dez anos, pegasse os sacos de comida e fosse para a cozinha. Erwin sentiu seu mundo cair, e seus olhos encheram de lágrimas, mas não iria chorar na frente daquela família, precisava ser forte.

- Quando necessário, sabem onde me achar. - Disse simples. O homem parado próximo a parede se aproximou do médico, sem palavras para agradecer.

- O senhor já ajudou minha família suficiente e eu não sei o que fazer para retribuir. - Erwin suspirou novamente compreendendo e curvou em reverência para o operário como respeito ao homem que ajudava a construir Paradis com sua força bruta. O trabalhador olhou chocado. Nunca alguém de classe superior havia agradecido o operário a alguma coisa, muito menos se curvado. Aquilo era uma forma de Erwin mostrar que não havia diferença entre os dois.

- Apenas cuide apropriadamente da sua família, já me dou por satisfeito. - O médico sorriu. - Irei retornar no próximo mês para avaliar a saúde desse bebê, e me certificar que está tudo bem. Irei trazer comida novamente e alguns utensílios. Ainda sim, se houver qualquer dificuldade, podem me contatar. - O homem se curvou, ficando de joelhos. Erwin ficou completamente sem graça, com bochechas coradas. Não era o tipo de atitude que se sentia confortável. - Por favor, não faça isso! - Levantou o homem, que chorava. - Escute... Isso não é para sempre. Dias melhores virão, para todos. É uma promessa. - Antes de ir, tocou com o polegar o bebê que dormia no colo da mãe, como um anjo. Já tossia menos, efeito do remédio que ele havia dado. O frasco estava cheio, e explicou cuidadosamente a mãe como dar durante algumas semanas.

- Gostaria de ficar para o jantar, mas tenho um compromisso. - Ele sorriu gentilmente. - Por favor, se cuidem.


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vou comentar em todos os caps porque isso aqui é prft mdsRespondido por 2 dias atrás
Obrigadaaaaaa 😍
Postado
erwin é um amorRespondido por 4 dias atrás
Ele é 🥰23 Favoritos Atualizações
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14 horas atrás
Favoritei a história
há 2 dias às 00:26
Favoritei a história
há 2 dias às 20:49

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