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A VELHA SINHAZINHA NÃO gostava de ninguém. Tinha umas preferências temporárias por certas pessoas a quem passava a fazer gentilezas com presentes e generosidades. Isto somente para fazer raiva aos outros. Depois mudava. E vivia assim, de uns para outros, sem que ninguém gostasse dela e sem gostar direito de ninguém. De mim nunca se aproximou. E eu mesmo fugia, sempre que podia, de sua proximidade. Mas a propósito de nada, lá vinha com beliscões e cocorotes. Trancava na despensa as frutas, andava com a chave do guarda-comidas no cós da saia, para contrariar as nossas gulodices e fazer raiva à gente grande da casa. A tia Maria roubava para a gente os sapotis e as mangas que a velha deixava em montão apodrecer.

O meu ódio a ela crescia dia a dia. Numa ocasião, jogando pião na calçada, o brinquedo foi cair em cima do seu pé. A velha levantou-se com uma fúria para cima de mim, e com o seu chinelo de couro encheu-me o corpo de palmadas terríveis. Bateu-me como se desse num cachorro, trincando os dentes de raiva. E se não fosse a tia Maria que me acudisse, ela teria me despedaçado. Eu nunca tinha apanhado. Minha mãe quando queria me repreender por um malfeito, punha-me de castigo em pé ou sentado num lugar. Esta surra fora a primeira da minha vida. Chorei como um desenganado a tarde inteira, mais de vergonha que pelas pancadas. Não houve agrado que me fizesse calar. E quando a negra Luísa, passando, me disse baixinho: "Ela só faz isto porque você não tem mãe", parece que a minha dor chegou ao extremo, porque aí foi que chorei de verdade.

Na hora da ceia não quis ir para a mesa. Ouvi então minha tia Maria dizendo indignada:

— Num menino daquele não se dá! É tão sentido!

E a velha Sinhazinha, replicando que era por isso que os meninos de Emília ninguém podia com eles, porque não lhes davam criação.

— Menino só endireita com chinela!

Fui dormir imaginando tudo o que era vingança contra o diabo da velha. Queria vê-la despedaçada entre dois cavalos como a madrasta da história de Trancoso. E cortada aos pedaços na serra do engenho. Aquela injustiça brutal despertava em meu coração puro de menino os impulsos mais cruéis de desforra.

Menino de Engenho (1932)Onde histórias criam vida. Descubra agora