O ritual - Parte II

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Normalmente demônios não são voluntários para participar de rituais Hunters. O monstro foi se debatendo e tentando escapar até chegarmos ao local onde o ritual seria feito.

Caron me esperava sozinho em uma cabana afastada da cidade, o lugar era ainda mais sombrio que nossa base no centro de Nova York. No meio da sala havia uma mesa de madeira reforçada, com correntes e desenhos estranhos entalhados na superfície. Velas estavam espalhadas por todo lado, as chamas tremulavam deixando o ambiente bem assustador. Sobre a mesa estavam diversos instrumentos de tortura, desde facas até alicates enormes. Mas o que revirou o meu estômago e me causou certo desconforto, foi à garota que estava amarrada em uma cadeira, seus olhos eram azuis e estavam cobertos por lágrimas. Sim, eram azuis e não vermelhos.

― O que significa isso?! ― perguntei.

Caron encontrava-se logo atrás da mesa, virando as folhas de um velho livro, o mesmo que ele havia folheado na sua cabana horas antes.

― São símbolos antigos... ― disse ele sem virar-se para mim.

― Eu estou falando dela! ― exclamei apontando para a garota que soluçava, mas não emitia som algum, pois estava amordaçada ― Ela é um demônio?

― Não ― respondeu ele de forma seca.

Senti um arrepio na nuca, o que isso queria dizer? Sequestrar um monstro tudo bem, mas agora fazer isso com uma mulher inocente? No que Caron estava pensando? Muitas perguntas martelavam a minha mente, e estava começando a ficar arrependido de ter concordado com esse ritual.

― Vai desistir agora garoto?! ― perguntou ele virando-se para mim e me encarando com um olhar sombrio.

Não queria desistir, eu precisava de poder para realizar a minha vingança, mas aquela garota amarrada ali contra sua vontade... Parecia errado, errado demais.

― O que você vai fazer com ela?! ― perguntei receando a resposta.

Ele me encarou com a sobrancelha levantada, aproximou-se alguns metros e olhou-me diretamente nos olhos.

― Até onde você está disposto a ir para vingar a sua namorada Michael? ― disse ele com seu rosto colado no meu.

― Eu iria até o fim do mundo, mas...

― Mas nada! Às vezes sacrifícios precisam ser feitos, é claro, em nome de um bem maior. Você deve se fortalecer para deter aquele demônio e assim livrar o mundo do mal.

Minha cabeça estava uma bagunça, em um lado alguma coisa me dizia para continuar, era necessário. Em contra partida, outra coisa me dizia que isso não era certo, que não devia seguir por esse caminho.

Olhei mais uma vez para a garota, ela estava chorando descontroladamente, sem emitir som algum. Mas o que eu poderia fazer?

Okay concordei, com a voz fraca e afetada pela duvida.

― Muito bem Michael, você está fazendo o que é certo ― disse Caron abrindo seu sorriso amarelado como de costume. ― O ritual é simples, vamos drenar o sangue do demônio e da humana, e depois você precisará se banhar nesse sangue.

Só de imaginar senti um nó se formar em minha garganta. Ainda assim, arrastei o demônio até a mesa. Caron o prendeu com as correntes. Em vez de gritar e tentar fugir, o monstro apenas gargalhou como se estivesse sentindo-se muito confortável com tudo isso.

Hahahahahahaha!

― Do que ele está rindo? ― perguntei. Estava um pouco nervoso, e esse demônio estava me deixando ainda mais receoso. Estava sentindo meu corpo inteiro se arrepiar.

― Ignore-o Michael, os demônios são doentios.

Falou o cara que está prestes a matar uma humana inocente em um ritual macabro pensei.

A risada do monstro foi cortada junto com sua garganta, Caron passou uma faca grande e brilhante no pescoço do monstro que engasgou na mesma hora. O sangue começou a escorrer sobre a mesa, passando por entre os desenhos entalhados na madeira e por fim caindo dentro de uma bacia que estava a baixo da superfície.

Hanc accipere sacrificium pro supreme... Hanc accipere sacrificium pro supreme recitava Caron enquanto o sangue escorria.

Algumas velas se apagaram, o ar se tornou gélido, senti uma grande dificuldade de respirar, as sombras pareciam ter ganhado vida, pois se mexiam de forma descontrolada dentro da cabana. Ele continuou a recitar o encantamento até a última gota de sangue cair dentro do recipiente.

― Ótimo ― disse Caron com um olhar assassino estampado no rosto. Ele parecia estar gostando de realizar o ritual. ― Traga a garota.

Mesmo relutante, a levei até a mesa. Caron prendeu seus braços e pernas com as correntes. A pobre mulher esperneava e tentava gritar com todas as suas forças. Seus olhos estavam arregalados, lágrimas encharcavam seu rosto e murmurava algumas palavras inaudíveis, provavelmente estava implorando por sua vida.

Ela estava deitada sobre o sangue do demônio que ainda sujava a superfície da mesa. Caron aproximou-se levantando a faca no alto, pronto para empalar o coração de uma jovem garota inocente.

Nesse momento os olhos azuis dela encontraram os meus, e como uma explosão em minha mente lembrei imediatamente de Juliette. Os mesmos olhos azuis, o mesmo tipo de garota inocente, talvez ela estivesse no lugar errado, na hora errada, e foi arrancada de sua vida normal e feliz para ser sacrificada em um ritual maligno. Como poderíamos fazer isso? O que essa jovem fez para merecer esse destino cruel? E porque ela deve morrer para satisfazer as minhas necessidades? Não posso permitir isso. Agindo desta forma estarei me igualando ao monstro que matou Juliette.

Quando a faca estava aproximadamente a uns dois centímetros do peito da jovem, saquei minha espada e a coloquei no caminho, impedindo o que Caron estava prestes a fazer.

― O que você está fazendo?! ― gritou ele.

― Estou fazendo o que devia ter feito no momento em que cheguei nesse lugar ― disse eu soltando as correntes que prendiam a garota, no momento em que a faca quase a perfurou o peito, ela desmaiou.

― Você sabe que pode estar cometendo um grande erro, não é Michael? ― disse ele me encarando.

― Eu sei, mas não seria a primeira vez ― respondi.

― O ritual não pode ser interrompido assim. Se isso acontecer, o sangue do demônio vai atrair uma legião de demônios até nós.

― Então é melhor eu tirar a garota daqui antes que eles cheguem, não é mesmo? ― respondi sem deixar de encará-lo.

― Você não sabe o que está fazendo garoto ― disse Caron em uma mistura de decepção e raiva.

― Na verdade ― disse eu ―, dessa vez eu sei exatamente o que estou fazendo, e isso não envolve matar inocentes.

Ouvi Caron praguejar alguma coisa em Latim, mas o ignorei. Peguei a garota em meus braços e a carreguei até o hospital mais próximo. Disse que havia a encontrado assim no meio da rua. E antes que ela pudesse acordar e começar a falar sobre tudo que havia acontecido, dei um jeito de sair daquele lugar.

Ao sair do hospital, ouvi uma voz familiar.

Salvou a donzela em perigo... Poderia ter feito o mesmo comigo, não acha?

Olhei para o lado, escorada em poste estava uma garota. Seu corpo era bem definido, tinha os cabelos longos e negros, sua pele era clara e ela usava um vestido bordo coberto de sangue. Em seu dedo havia um anel com uma pedra brilhante em cima. E seus olhos... Eles brilhavam em um vermelho vivo.

― Perdeu a fala meu amor? É assim que você fica ao rever a sua noiva?

― Juliette...?

Hunters - o caçador das sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora