A última noite em Paris

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Chamamos ele de Nikolas. Era pequeno e meio vermelho, não pegava no peito nem abria os olhos. Era esquisito e bem diferente de Victoria, mas eu e Marselha estávamos apaixonados por aquele serzinho que era nosso, nosso e de mais ninguém.

Victoria e ele demoraram pra se aproximar, mas quando ele completou 2 anos e ela 6, eles se tornaram quase inseparáveis. Nikolas fazia tudo o que ela fazia, seguia a irmã cegamente, e ela, não muito diferente de mim, gostava da atenção e do crédito que ele dava para ela.

Com o passar dos anos, meu casamento com Marselha ficou estagnado. Não éramos infelizes, mas durante os primeiros anos das crianças não nos aproximamos muito. Era um relacionamento bem chato, bem monótono, mas estávamos prontos pra acabar com aquele silêncio e com as fodas escassas. Entramos nos nossos 50 e Victoria na adolescência, e ambas nos descobrimos mulheres bonitas, ela, na puberdade, eu, na velhice mesmo. Comecei a pintar a raiz de ruivo, fugindo dos fios brancos até me render. A minha raiz crescia branca e eu deixava, comecei até a achar bonito. Marselha me elogiava muito, super apoiava os meus fios brancos, e isso também me incentivava. Nikolas tava pouco se fodendo, era um distraído, não queria saber de nada além da escola.

No aniversário de 16 anos de Victoria, no nosso apartamento em Paris, Marselha viu a minha tristeza. Eu andava quase perdida pelos amigos dela, que lotaram a casa, e não conseguia deixar de pensar que ela estava me deixando, estava indo embora pra não voltar mais. Victoria fazia 16 e logo 18, e então estaria tendo seus próprios filhos. Minha filha tendo filhos! Parece impossível. Meu deus. Como eu estava assustada. Via os traços de German nela, e tentava encontrar algum conforto nas lembranças que só me atormentavam. Não adianta, um amor interrompido nunca acaba.

Eu fumava um cigarro na varanda quando senti a aproximação da minha filha. As músicas que ela escutava no último volume no seu quarto faziam o apartamento vibrar enquanto os seus amigos cantavam as letras já tão familiares.
-Mãe? -Me virei para vê-la. Tinha a minha altura, o meu cabelo. Parecia um reflexo do meu eu adolescente.-
-Oi.
-Você tá estranha.
-Como assim?
-Não parece feliz. Mas é meu aniversário!
-Eu sei, meu amor. Parabéns. Está cada dia mais linda. Sabe disso, né?
-Eu não pareço com o papai, né? -Victoria sabia da minha relutância em relação a esse assunto. Eu sempre fugia e ela sempre insistia. Era péssimo. Devia ter contado antes, e sabia muito bem disso.- vamos la, mãe. Eu sei que tem alguma coisa aí.
-Como assim?
-Posso dar uma tragada?
-Claro que não -Afastei o cigarro dela. Dei uma última tragada e apaguei.- Fala.
-Ele não é meu pai, é? -Não respondi. Desviei o meu olhar do dela.- de onde vem tanto dinheiro, mãe? Por que ele se chama Marselha? Não...não é o nome de verdade do papai, é?
-É uma longa história.
-Eu quero ouvir.

Fiquei paralisada diante da perspectiva de revisitar toda essa história. Não queria que Victoria soubesse.

No final da noite, eu e Marselha ficamos arrumando a casa do furacão que foi uma festa para adolescentes. Enquanto ele levava a louça e eu limpava a cozinha, conversávamos. As crianças já tinham ido dormir.
-To cansada daqui -Falei.- vamos voltar pra Madrid.
-Não sei se é uma boa ideia.
-Por que? Sérgio e Raquel voltaram pra Espanha e estão muito bem.
-Mas não foram pra Madrid.
-Vamos para outro lugar, então. Só vamos, por favor.
-Aconteceu alguma coisa?
-Victoria insistiu em saber.
-Vamos contar tudo pra ela. Já era hora.
-Eu sei -Marselha secou as mãos e me abraçou. Me beijou delicadamente.-
-Não se preocupa. Vamos para onde você quiser. E vamos contar pra Vic.
-Não se importa de deixar Paris?
-Não. Agora vou te amar em outras cidades.

Fim

Primeira Noite em Paris 2022Where stories live. Discover now