O vazio

23 2 4
                                    

Vazio.
Vazio. Vazio. Vazio.
Vazio.
Eu
E o vazio.
Eu não aguento mais.
Vazio. Vazio. Vazio.
Como o bater de um relógio.
Como o passar de um segundo.
Como um furacão.
Eu estou bem.
Eu estava.
Eu sempre estou.
Mas de repente,
Sem motivo nenhum,
Sempre surpresa.
Me sufoca.
Me cala
Surprende
Impede de sorrir.
Impede de gritar.
E
Eu

Sinto
O
Vazio.
Não sei se isso é um sentimento,
Sei que sinto.
Ou melhor, não sinto.
Droga.
Odeio isso.
'Não preciso falar com ninguém.'
Doce mentira,
Contada por alguém,
Ciente de que não tem ninguém.
Mesmo se tivesse coragem de falar,
Com quem falaria?
Mesmo se o desespero não sufocasse,
E impedisse que as palavras saissem,
Se o nó na garganta não fosse tão apertado...
Se a dor no peito não fosse tão profunda.
Quem?
Quem pararia pra escutar?
Quem se importaria?
Tem pessoas que fingiriam, isso eu sei.
Pessoas que falariam palavras bonitas,
Tão genéricas quanto uma bula de remédio.
Mas embutido nas palavras brilhantes,
Bem no fundo,
Está o julgamento.
Não precisam perceber que eu não sou perfeita.
Não me apontem defeitos.
Eu conheço todos.
Sou arrogante,
Falsa,
Prepotente,
Hipócrita,
Sem graça.
E eu sei.
E na maior parte do tempo isso não me incomoda.
Lentamente eu me acostumei a fingir.
Mesmo que seja um fingimento de merda,
Eu me acostumei.
As vezes, eu paro pra pensar
E se fosse pra fingir,
Porque não fingir ser um cidadão exemplar?
Um filho prodígio?
Alguém que valha a pena?
Mas não
Criei um papel,
Mas só encontrei uma folha em branco.
Eu não sei o que eu deveria fingir ser.
Ou seja,
Eu me esforço,
Crio sorrisos,
Invento personalidades,
Finjo,
Finjo,
Finjo,
E no fim,
Eu continuo sentindo o vazio.
Continuo sendo nada.
Talvez esse seja o problema.
Há tanto eu sou um ator,
Que não sei mas definir,
Quem eu realmente sou.
E por isso,
Quando eu me olho no espelho,
E não vejo nada além de ilusões,
O reflexo sorri descarado,
Da minha péssima atuação.
E então,
Vem sem aviso,
Do silêncio,
Do abismo,
O vazio.
Quem sabe isso seja a única coisa real em mim?
De certa forma isso me reconforta,
Porque em baixo de todo meu fingimento
De alegria,
De amabilidade,
De espontaneidade forçada,
Eu tenho o vazio.
E ele eu não posso alterar,
Nem esconder,
Nem dissimular.
Nem destruir.
Ele é a parte mais verdadeira de mim.
E a pergunta martela incessante:
Quem eu realmente sou?
Eu gosto do papel que eu criei.
Todos se agradam,
Porque eu faço de tudo pra agradar.
Droga.
O vazio.
Aqui está ele,
Me confortando,
Rindo macabro vendo as palavras se escreverem no papel.
Acho que ele acha engraçado,
A forma que eu lido,
Com o não saber lidar.
Então me agarro nas palavras,
Que diferente das pessoas,
Não se deixam enganar.
Assim como o vazio,
As palavras,
São as únicas que escutam,
O que eu sussuro na escuridão.
E apesar de todos os meus defeitos,
Para elas, não tenho que esconder.
O vazio e as palavras me entendem,
E de mim mesmo me defendem.
Afroxam as correntes que eu mesmo apertei.
Talvez se eu os aceitasse de volta,
Eu entenderia,
Mesmo que um pouco,
O que passa dentro de mim.
A incerteza é minha dádiva.

Eu,
As palavras,
E o vazio,
Contra todas as possibilidades,
O mais verdadeiro trio.

Versos PerdidosWhere stories live. Discover now