27. Dói tanto que eu...

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Mile está concentrada, calculando uma forma de atravessar os braços da cadeira de rodas para dentro do box de acrílico. É a primeira vez que é obrigada a pensar numa forma de se sentar sozinha na banqueta de banho. Das outras vezes, Elza ou a dona Rosa lhe emprestava os ombros para se apoiar até assento. Para isso, aproximavam o máximo possível o objeto da cadeira de rodas. Depois de semanas de treinamento, a transferência transformou-se numa viagem de segundos.

Mas desta vez, a merda de banqueta está num canto, bem fora do seu alcance.

Meio resmungando, já rechaçando a ideia do banho, encara a pia ao lado. Refle. Se umedecer a toalha talvez consiga tirar pelo menos o cheiro de comida do corpo. De madrugada, assim que Elza chegar, pode tomar um banho.

Gira as rodas na direção da pia, mas é interrompida por batidinhas na porta entreaberta. Uma parte da sombra de Nathan escorre pelo piso do banheiro.

_ Decidiu se mover, então? _ Ela ruge, num tom mais alto do que o necessário. _ Mas agora eu já decidi que...

As palavras dela se dissolvem quando se depara com o abdômen nu de Nathan aproximando de si. Desce os olhos nas calças dobrada nas panturrilhas.

_ Temos três minutos para resolver isso _ Ele declara, a voz morna e reta, tirando o celular do bolso, depositando-o na pia.

Ele avança. Posiciona-se  de frente para ela, curvando-se um pouco. Puxa a cadeira, em ré, até a entrada do box. As rodas param no trilho de inox.

O olhos de Mile petrificam-se quando encaram mais de perto a trilha discreta de pelos à sua frente, cujo ponto de partida é o estômago e vai descendo, cada vez mais concentrado, em direção à calça.

_ Consegue tirar a roupa sozinha? _ Ele pergunta de repente.

_ O quê?

_ Consegue?

A mão dela sobe à testa. 

_ O que você acha?

_ Não acho nada. Por isso estou perguntando.

_ Mas é claro que... _ Ela começa a falar quando, de repente, os olhos dele sombreiam o núcleo do seu rosto.

Duas linhas atravessam a testa dele, congelando as palavras dela na ponta da língua.

Sim, ele parece estar falando sério. Bem sério.

A cabeça dela cai por um instante, golfando o ar borbulhante pela boca, embora esteja suficientemente desesperada para desejar um banho. O próprio cheiro certamente vai lhe embrulhar o estômago até amanhã cedo e...

Então ela ergue os braços, tomada pelo desejo de estapear a própria cara.

Nathan de repente estufa os olhos, como quem está bem surpreso por não ter que se esquivar de uma pedrada. Em seguida, suas mãos aterrissam na barra da camiseta dela, mais comprida do que a saia de lycra, o tipo que ela vem usando desde o acidente.

Nathan levanta a camiseta da moça.

_ Ei _ Ela estapeia a mão dele. _ É para me levar à banqueta, idiota!

_ Mas você acabou de...

Tá. Talvez não tenha sido tão clara.

Ela aponta o nariz para a cadeira de banho.

Uma camada brilhante de sangue preenche a cara de Nathan, enquanto rodeia os olhos para cima. Traz a cadeira para baixo do chuveiro. Em seguida, aproxima o pescoço de Mile, que se agarra nele do jeito de sempre.

Certo como Murphy (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora