4 - O vale das Montanhas do Legado

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Isso não! Nunca falei isso.

Se fosse mentira, eu não ficaria tanto tempo falando. A mentira não se sustenta. Tenho um primo que trabalha em barcos pegando caranguejos no oeste, e ele me ensinou isso. A mentira não se sustenta. Ele estava falando dos pescadores que mentiam sobre seus feitos, sobre o tamanho de seus peixes... Ah, deixa para lá.

Como vencemos? Boa pergunta.

Estávamos montados naquelas feras incríveis. Feras perigosas, mortais, de muita saúde e imenso porte físico. Domadas, hipnotizadas pelo nosso feiticeiro, elas esqueceram suas guerras e se uniram. Uniram-se a nós. Leões da montanha, tigres de dente aguçado, ursos da caverna, lobos gigantes. Demos até nomes a eles. Bra, Cyn, Pyr e Gor. Eles caçaram por nós durante a viagem, e lutaram conosco no vale das Montanhas do Legado, depois. Espetacularmente. Corajosamente. Para nós, eram irmãos companheiros de jornada, mas para eles eram bestas-feras.

Se depender de mim, nenhuma daquelas poderosas feras guerreiras será esquecida. Essas criaturas nos auxiliaram a lutar com o outro exército, guerreiros estranhos que pareciam ser de outro tempo, ou de outro mundo, em pé sobre carruagens puxadas por cavalos. Usavam esqueletos fora do corpo e máscaras como crânios no alto de suas cabeças. Eram crânios, sim. Esqueletos de tigres de dentes aguçados, carneiros, abutres gigantes e crocodilos, sim, crocodilos! Escudos feitos de suas escamas, e crânios de crocodilos como ombreiras e guarda-braços. E outros também. Os crânios de tigres cobriam todo o rosto, só deixavam visíveis os olhos e o pescoço.

Depois soubemos que eram as máscaras de seus deuses. Mas eles não eram os deuses. Eram homens. Apenas homens. Lutadores à imagem de deuses. Podiam sangrar e morrer.

Nossas feras não se intimidaram, eram extremamente agressivas, se quisessem. Diminuíram o número do exército inimigo pela metade com suas patadas e mordidas.

Estão surpresos. Podem ficar. Alguns de vocês acham que este velho aqui ficou louco, não é? Naquela hora também pensei. Durante a viagem, das montanhas aqui do norte até os vales do sul, eu não consegui dormir, eu só farejava perigo. E a falta de sono estava me deixando doente. E eu já estava velho demais para isso, tinha quase quarenta anos. Já não conseguia acompanhar a expedição. "Temos que voltar", eu dizia. Mas não era tão simples assim. Não havia como voltar.

Naquele momento, eu já estava com um mau pressentimento. A minha vontade era sair correndo de volta para a casa, de voltar para os braços de minha amada Lyra. Mas nós continuamos, bravamente. A finalidade disso tudo? Com licença, qual o seu nome? Sunik, escute com atenção. Os mamutes que vemos ainda hoje andando sobre nossas terras, e em tantas outras mais a leste, só estão aqui porque fomos nós que os resgatamos. Sim, você adivinhou. Eram eles, e também os Thays que estavam auxiliando o Mago na construção das Montanhas do Legado. Era por isso que os mamutes vinham cada vez mais tarde e em menor número ao nosso vale. Nós perguntávamos "Para onde eles foram?" Eles se esconderam embaixo da terra? Foram visitar os espíritos do céu. Não! Eles foram para o sul, mas não por vontade própria. Foram conduzidos. Foram raptados.

No lugar deles, veio a fome. Então os pais anciões da nossa tribo nos mandaram para procurá-los. Reunimos os melhores, todos que pudemos. Malkel, Kursie, Nikan, Ernya, Sonin, Kurbel. Amigos inteligentes, audazes, caçadores experientes e ótimos rastreadores, aventureiros viajados, e um poderoso feiticeiro encantador de bestas. Kurnya. Caminhamos, comemos, dormimos, carregamos nossas lanças e sacos de água, seguimos rastros de fogo ainda vivos nas pedras. Qualquer sinal. Fomos até terras distantes. Encontramos algumas aldeias em nosso caminho, e muitos outros homens nos auxiliaram. Então, chegamos a um grande rio, que se movia como uma serpente sobre a areia. Aí tudo parecia igual. Fomos guiados pelas estrelas e pelos voos do espírito do mago.

E lá estavam eles. Centenas deles. Enormes e peludos, narizes estendendo-se até o chão, grandes presas curvas dos dois lados da boca. Quando encontramos os mamutes e os thays na posse dos nossos inimigos, e os libertamos, isso foi muito... Isso foi muito especial. Algo nunca acontecido antes. Pois como sabemos, os Thays eram nossos antigos inimigos. E nós os libertamos. Demos nova vida aos últimos deles.

"Pronto, podem sair. Vocês estão bem? Entendem o que estou dizendo?"

"Vocês são os últimos, cuidem-se."

"Mantenham-se longe dos humanos, para seu próprio bem."

"Liberdade para os thays!!!"

Era o que gritávamos. Não podíamos mais ser inimigos, não depois daquilo. Nós poderíamos esquecer as marcas do passado e pensar no futuro com esperança. Mas mesmo assim, precisaríamos ficar distantes. Para o bem de todos.

Alguns aqui conhecem o som da minha voz o bastante para saberem se o meu relato é verdadeiro ou falso. O que estes dizem?

Fico feliz.


Deva Sopra CrocodilosWhere stories live. Discover now