Era uma noite de sexta,

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tive um dia ruim e ele está vindo até minha casa depois de eu flertar casualmente com a possibilidade do término após entrar nas minhas paranoias sobre como sou uma pessoa ruim e afeto todos ao meu redor com isso. Então deixo aqui duas coisas que precisam ser ditas de antemão:

Dou muita trela pra pensamentos maldosos quando estou triste;

Em um ano de namoro, nunca de fato quis terminar com ele.

É engraçado pontuar esse segundo tópico, pois para pessoas normais, chega ser insanidade pensar em término de namoro em tão pouco tempo, mas veja, me encaixo na categoria pessoas com desgraças demais para contar. E bem, meu primeiro namoro -que inclusive durou quatro anos- desde o primeiro minuto eu sempre senti que devia terminar, e aí quando descobri pela primeira vez que ele estava fazendo uma homenagem com fotos das suas amigas, entramos numa montanha russa de terminar e voltar. Quando olho pra esse tempo, percebo que ambos não nos gostávamos de verdade, mas éramos carentes demais para querermos ficar sozinhos. Provavelmente tenha sido essa teimosia que fez o nosso término ser tão absurdamente longo e tortuoso para ambos.

Enfim, voltando ao que de fato importa: Meu namorado atual estava vindo com dois churros (eu e ele amamos churros) numa chuva torrencial as 19h30 da noite de uma sexta feira. Ele muito provavelmente sabia que a mensagem não era séria, inclusive ela foi enviada após eu ter enviado uma outra detalhando como só queria vê-lo só para descansar minha cabeça em seu peito.

Pois é, não sou uma pessoa muito coerente.

Enfim, ele recebeu a tenebrosa mensagem e só mando que estava vindo e eu que apesar de ter dito para não vir, fiquei feliz de ele não me escutar e só vir. Sabe quantas foram as vezes que eu silenciosamente pedi socorro e alguém percebeu e veio? Poucas. Nenhuma delas foi quando estava com meu ex. Não sou muito de verbalizar o que preciso, então estar com alguém que simplesmente saca e faz, é outra coisa. Depois daquela mensagem, nem me esforcei mais em tentar terminar o trabalho, como dizia um tweet que li esses dias: Quem trabalha depois das 14h de uma sexta feira?

Se bem que já era 19h da noite... Enfim, vocês entenderam, né?

Avisei meus chefes que tudo só ficariam pronto na segunda feira e fui tomar mais um banho. Eu acho que naquele dia eu já tinha tomado dois, um indo pra faculdade e outro chegando da faculdade. Fedendo não estava, mas queria me certificar que cheirosa iria vê-lo. Afinal, ele sempre diz o quanto gosta do meu cheiro (mesmo já tendo dito isso até nas vezes que me viu suada ou em situações deploráveis) que eu tento ao máximo estar mesmo. Graças aos deuses era uma noite fria, então pude usar o que mais gostava: meu camisetão amarelo, touca e uma calça jeans. Me escondendo, mas não o suficiente.

Passado alguns minutos, recebo a mensagem dele pedindo pra que eu descesse. E eu que já estava ansiosa, fiquei mais ainda, ao ponto de quase esquecer o porquê ele estava ali e o que me levou a dizer aquilo. Avisei minha irmã para onde estava indo e sai tão de pressa que só parei quando cheguei na entrada do meu prédio e notei a chuva torrencial que estava caindo.

Veja bem, ele me desconecta tão rapidamente das coisas que até me choco quando vejo a vida rolando ao redor. Nessa noite gelada de chuva depois de um dia tão ruim, meu coração ansioso e feliz por vê-lo voltou pro planeta terra e eu me firmei na tristeza de novo, tanto que quando vi o carro dele parar para eu entrar, entrei provavelmente com a cara mais sofrida possível. Talvez isso tenha assustado ele, pois quando virei pra vi um olhar ansioso, ele cutucando o queixo e silenciosamente, esticou o braço, pegou o tablet de churros e estendeu para mim. Parecia como nosso primeiro encontro, mas naquela vez ele tinha me levado minha caixa de bombom favorito.

Será que ele tinha levado mesmo a sério aquela mensagem?

Olhei os churros e ele saiu com o carro. Acho que chegamos a trocar conversas de elevador, tipo: Como foi seu dia no trabalho?

Mas não me lembro bem, meu cérebro não consegue armazenar tão bem esse tipo de coisa, prefere guardar fôlego para outras coisas como as que seguiram:

Ele estacionou o carro numa vaga de um mercado que já havia fechado, mas havia luz dos postes e o lugar era de frente para um posto policial, então me sentia bem mais tranquila e segura para ficar ali conversando sem ficar paranoica de que a qualquer momento poderia pular alguém do nada querendo nos assaltar. Já tinha dado algumas choradinhas no caminho enquanto contava como o dia que eu jurava que seria bom, tinha se transformado num belo desastre, então estava fungando mais do que o normal (ah, esqueci de mencionar que estava gripada). Ele desligou o carro, pegou o tablet de churros:

– Era pra tá quente -ele comentou, após uma mordida. Não parecia chateado. Aquela ansiedade que notei lá no começo? Se foi, dando espaço apenas para uma calmaria. Olhar para ele parecia ser como olhar para um lago calmo dentro de uma floresta densa, você só era consumida por aquilo. - Comprei para nós, come comigo -ele estendeu a que estava comendo, abrindo um sorrisinho travesso.

Eu amava o sorriso dele.

E amava churros, ainda mais as do bairro dele, mas sempre que choro perco a fome. Porém, como já havia negado várias vezes durante o caminho e era claramente um gesto de carinho, só estiquei a cabeça pra perto e dei uma mordida. Tava bom, mas não tão bom como ver ele de pertinho com a chuva escorrendo no vidro detrás dele e a luz de fora fazer com que a silhueta dele brilhasse.

Seria isso o amor? Olhar para a pessoa que você gosta e ver ela quase como um ser celestial numa situação e momento tão banal?

Tomara que sim, só o amor pra explicar como tudo nele reluz e me deixa aquecida.

O tempo que fiquei naquele carro com ele, terminamos de comer os churros com ele fazendo um leve biquinho pra me convencer a dar umas mordidas e depois ficou me escutando explicar detalhadamente -numa crise de choro- como tudo tinha dado tão errado naquele dia.

Ele ouviu tudo com atenção, então pegou meu rosto com aquelas mãos enormes e fazendo carinho com os polegares, olhou nos fundos dos meus olhos e me confortou com aquela voz grave que me espanta sempre que ouço. Nesse momento nossos rostos estavam próximos e pude contemplá-lo novamente com aquele cenário de pingos de chuva e luz reluzente. Como pode tudo com ele ser bom?

Como o mal pode existir quando estou com ele?

Demos alguns selinhos e logo tratei de explicar que nunca pensei em terminar, só que às vezes penso em deixar de lhe trazer problemas. A resposta dele?

– Problema seria se a gente deixasse de existir.

Eu vivo num conto romântico e nunca percebi? Se sim, não me acorde nunca, por favor.

Será que o mundo seria melhor se todo mundo tivesse alguém que as amasse tão intensamente quanto você ama elas?

Provavelmente, né?

Eu não consigo pensar em tristezas, ou desgraças, ou o que quer que seja quando estou com ele. Estar com ele é como ver ele de perto sendo iluminado pela luz do poster: Tudo reluz, até os cantos mais obscuros. 

QUASE TERMINEI COM RICARDOWhere stories live. Discover now