Capítulo Único -; bem-vindo ao mundo, Dabi

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𝗡𝗼𝘁𝗮𝘀 𝗜𝗻𝗶𝗰𝗶𝗮𝗶𝘀: a seguinte história foi anteriormente postada em uma conta minha, que não está mais ativa no momento. Portanto, a história é de total autoria minha, embora a obra original pertença a Kohei Horikoshi.

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O treinamento chega ao fim — A voz grossa e rouca do homem parado a poucos metros de si reverberou por todo o cômodo, causando-lhe uma sensação mista de nojo e raiva em seu interior. Respirando pesadamente, permitiu que seu corpo caísse de joelhos no carpete áspero que continha o quarto destinado ao dito treinamento, seu tronco colapsando para frente e sendo amparado por suas mãos. Olhando-as por entre os olhos cerrados, via-as manchadas pelo próprio sangue e queimaduras do próprio fogo. — Espero que tenha resultados gratificantes amanhã.

Amanhã. Uma promessa solene, embora ríspida em seu mais profundo significado, que queimava gradualmente quaisquer resquícios de esperança que Toya possuísse. Seu pensamento ingênuo de "amanhã será melhor" era destruído continuamente conforme os dias se transformavam em noites, e as noites, transformadas em dias. O "amanhã será um novo dia" tornava-se monótono conforme se mostrava uma repetição doentia dos mesmos eventos, das mesmas falas, das mesmas ações, da mesma dor.

— Espero que o amanhã nunca chegue... — Murmurou em uma réplica ofegante, mas com tamanha carga de ódio e desprezo pelo homem a sua frente. As sobrancelhas flamejantes arquearam-se em uma falsa surpresa, uma demonstração rotineira de costume aquela frase e comportamento em específico. Não dirigindo-lhe mais uma palavra, o patriarca Todoroki virou-se e saiu do cômodo, fechando a porta bruscamente atrás de si.

O baque da madeira contra as sensíveis batentes lhe causava um arrepio desconhecido por sua espinha. Perdera a conta de quantas vezes seu corpo prendera para frente e jazeu naquele chão sujo pelo próprio sangue, quantas vezes o olhar de reprovação chegou a ele e quantas vezes a porta fora fechada com tamanha brutalidade. Os passos ainda eram audíveis, mesmo que o dono deles já estivesse a milhas de distância. A presença imunda e deplorável daquele homem ainda estava impregnada no ar, entupindo os pulmões de Toya com tal ar apodrecido na hipocrisia.

Seu corpo estava fraco pelo esforço realizado e pela força inexistente usada. Seus membros doíam como se estivessem em literais chamas, suas roupas rasgadas e queimadas pelos ataques bruscos e pelo fogo ofensivo que saía das mãos brutas daquele que era obrigado a se referir como pai; as ataduras, antes firmemente presas ao seu corpo, agora desprendem-se de sua pele, deixando a mostra os hematomas e feridas antigas e novas. O sangue em suas mãos e em qualquer superfície visível — e não visível — de seu corpo era de sua propriedade; aquele era o seu sangue, possuidor de um tom carmesim intenso e responsável por banhar tanto a si quanto o chão abaixo. As queimaduras, que lhe causavam uma dor aguda nos períodos noturnos, eram um lembrete doloroso de sua situação atual.

— Maldito. Maldito seja você, Endeavor — Praguejou, fechando as mãos em punhos e batendo-as contra o chão. — Maldita seja a sua existência. Maldita seja a sua hipocrisia.

Fora das quatro paredes daquele cômodo, além das paredes e muros que rodeavam aquela casa, a figura do herói era idolatrada e homenageada. Tratada como um símbolo de força e resistência, de poder e ambição, aquele homem corpulento possuía uma autoridade notável e controladora. Com seu rosto másculo e presença eternamente destacada por sua falsa fachada, Endeavor era o herói de muitos cidadãos e o desejo de muitos; ele era o salvador, o único.

Entretanto, no ambiente salvo de sua casa, afastada dos olhares curiosos e das câmeras insistentes, dos fãs fervorosos que gritavam seu nome em louvor aos jornalistas enlouquecidos, que batalhavam entre si por uma chance de entrevistá-lo, ninguém possuía conhecimento sobre o inferno que a mansão Todoroki era. Aquela adorável casa de aparência tradicional japonesa, com um belo jardim acoplado a sua fachada e um nome estampado em ouro, não era do conhecimento geral do animal que ali habitava. Por trás de alegre e funcional família, constituída pelo honrado Endeavor e sua fiel esposa, com seus filhos exemplares, escondia-se uma relação desagradável, abusiva ao ver daqueles que moravam naquela prisão.

Toya conseguia ouvir os gritos de Endeavor e as súplicas de sua mãe, que clamava por piedade do marido com os próprios filhos. Rezou como nunca para que seus irmãos estivessem a salvo em seus quartos, protegidos dos gritos brutos e das mãos ameaçadoras daquele que se intitulava herói e seu pai. Aquele homem destruíra sua família. Aos poucos, deteriorava a sanidade mental de sua mãe, complicava o positivismo de sua irmã e a confiança de seu irmão, e ameaçava lentamente pôr as mãos no pequeno caçula. Seus irmãos não passavam de meras ferramentas aos olhos daquele homem.

— Não — Forçou o corpo a se levantar, respirando fundo e lutando contra as lágrimas conforme seus movimentos ganhavam força e o lembravam da dor que os assolava. Quando se firmou em pé, cambaleou levemente para trás antes de recuperar o equilíbrio. Um brilho misto de raiva e determinação queimava como brasas ardentes em seus olhos e, conforme sua indignação se mostrava presente e dominante, suas mãos eram consumidas pelo fogo azul de sua peculiaridade. — Eu não vou permitir isso.

Não poderia, e jamais deveria permitir que aquele homem machucasse os seus entes queridos. Não lhe bastava o sofrimento diário de sua esposa, ou o temor constante de seus próprios filhos? O que mais aquele bastardo iria tirar deles? Sua peculiaridade mostrava-se mais viva do que antes, alimentada pelo ódio que lhe percorria as veias e entupia seus sentidos com o desejo de vingança. Sabia que seu corpo inexperiente era consumido pelas próprias chamas, que sua pele começava a ser carbonizada em determinados lugares devido ao poder imenso que carregava, mas não controlava.

Não importava mais, no final das contas. Toya estava destinado a entrar em combustão.

— Você pagará por tudo, Endeavor — Prometeu a si mesmo e, internamente, a sua mãe e irmãos. — Toya morrerá, entrará em combustão e renascerá como alguém capaz de expor ao mundo a sua verdadeira face hipócrita.

Deixaria para trás as amarras que o prendiam aquele inferno na terra. Com força, e uma pitada de sorte, quebraria as barras ofensivas de sua jaula confinadora e abriria suas asas, como um pássaro a ser liberto pela primeira vez, e voaria em direção a liberdade que tanto almejava. Iria se desprender das exigências postas a si, largaria as obrigações que diziam ser suas e, acima de tudo, cantaria vitória como um pequeno pássaro orgulhoso de sua fuga sobre aquele homem bruto e desumano.

Toya Todoroki terá o seu recomeço. Não havia dúvidas em sua afirmação ou quaisquer prováveis possibilidades acompanhadas de verbos conjugados na incerteza de um futuro onde ele não seria o protagonista. Não, ele renascerá das cinzas de seu corpo carbonizado, deixará a dor e o sofrimento para trás e permitirá que suas próprias chamas o consumam em prol de sua libertação. Toya Todoroki renascerá como a fênix que sempre habitou em seu interior.

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