+ três

369 24 18
                                    

Um mês depois

A impressão que eu tenho, é que os dias, semanas, meses andam se passando bem mais rápido desde o nascimento de Ella. E só agora a frase que eu ouvia de outras mães, faz muito sentindo. "O tempo passa voando", e como passa. Ella no último mês, aprendeu dizer corretamente mais algumas palavras e não foi Mamãe, ainda sou chamada por ela apenas como Mama, enquanto ela continua a falar corretamente "Papai" quando o ver e agora seguido da palavra "colo".

"— Papai, colo."

Nesse último mês também, estive acompanhando Eloise em seu tratamento, até quando podemos enfim, fazer sua cirurgia há três dias atrás. Após a cirurgia que tenho agora para fazer, irei passar pelo seu quarto. Não consegui lhe visitar, na primeira ronda. Mas estou ciente do seu estado pós cirúrgico, estive em suas primeiras horas no CTI ao seu lado, e ontem ela foi transferida para o quarto. Talvez daqui há alguns dias, eu traga Ella para a conhecer.

Mas tenho que me centrar no agora. No que tenho que fazer agora.

— Implante de marcapasso em um paciente homem de 58 anos. – Digo em voz alta, antes de começar o processo cirúrgico. Minha voz, ecoa na galeria acima da sala cirúrgica onde há alguns residentes para assistir a cirurgia. — Qual são as principais causas para um implante de marcapasso?

A residente que me auxilia hoje, esboça em me oferecer a resposta. Mas engole a sua resposta a seco, quando eu a indico com um sinal negativo que a pergunta fora direcionada aos que nos assiste da galeria acima de nós.

— Vamos, eu sei que vocês sabem a resposta! – Olho para cima, e sorrio contente quando vejo o esforço de uns para chegarem rápidos até o interfone ligado a saída de áudio.

— Uma das causas podem ser o bloqueio cardíaco, quando o paciente apresenta um bloqueio do impulso elétrico entre os átrios e os ventrículos. – A residente me oferece a resposta, com sua voz carregada de autoconfiança. Se pudesse apostar, ela deve ser dessas residentes que se coloca a frente sem medo, causando certo desconforto entre os demais.

— Mas o caso desse paciente é... – Outra voz, também feminina, toma a vez de fala. Levanto novamente a visão para o alto, e vejo as duas em um duelo para terem a oportunidade de falar. Meus olhos então  encontram os de Jorge, não tinha o visto sentado na última fileira de cadeira antes, provavelmente ele tenha chegado agora.

"Veja o que você está causando", ele fala pausadamente, para que eu entenda sua frase.

Olho para a pequena confusão das duas residentes. É o tipo de batalha que Jorge alimentaria, só para se deleitar com o desespero das residentes. Meu marido inclusive, parece até bastante orgulhoso que a confusão tenha sido promovida por mim. Na galeria, Jorge é o único que poderia acabar com a confusão, levando em conta que ele dos que estão alí, é único com autoridade suficiente para isso.

Direciono minha atenção novamente para as duas, que parecem estarem em uma discussão acalorada. Elas pelo menos tiveram o cuidado de desligarem a saída de áudio, ou, todos aqui embaixo estaríamos ouvindo seus argumentos nessa discussão nada amistosa.

— Parem de se comportarem como se estivessem no colegial – as digo firme, e ambas imediatamente se calam, mas continuam se duelando com o olhar. — Estamos em um hospital, e espero nada menos que respeito de vocês duas, principalmente, para com os meus pacientes. Vocês breve serão médicas atendentes, e me decepcionaria muito saber que essa será a atitude de vocês diante de um paciente. — Enquanto falo, elas lentamente começam a baixar a guarda. A única voz agora ouvida é a minha, há um silêncio máximo tanto na sala de cirurgia quanto na galeria. — Fora isso, as duas podem assistir outra cirurgia de outro médico, estejam convidadas a se retirarem da galeria. – Espanto agora é o que vejo no semblante de ambas. Passa alguns segundos, e as duas parecem não saber o que fazer. Em pé, um ao lado da outra, elas continuam desacreditadas da minha reação. — Estou esperando as duas saírem. – As duas são as costas para a vidraçaria, e saem. — Nos centramos na cirurgia. – Digo, dando o sinal para a enfermeira continuar a passar o antisséptico com a cor enferrujada na área do corte.

Doctores: Antes do fimWhere stories live. Discover now