Fetiches.

3

20 anos depois.

Não gosto da sensação de acordar na ressaca, é horrível, pesado e doloroso.
Quando estamos bebendo, quase nunca pensamos em como será no dia seguinte, simplesmente queremos beber, beber até não aguentarmos mais e então nos tornamos amigos e convidativos com todos.

"Eu fiz merda"
É o primeiro pensamento que tenho ao acordar e me deparar com a cena a minha frente.
Cubro a minha nudez e procuro sair de fininho sem acordar o cara estranho que dormia ao meu lado.
Minha cabeça parecia explodir de tanta dor, mas mesmo assim visto meu jeans o mais rápido e com o tênis nas mãos saio fechando a porta com cuidado.

A claridade do sol em meu rosto me fez me sentir pior que qualquer espécie em terra. "Dessa vez você exagerou Giovanna" digo pra mim mesma enquanto me ajeito no assento do meu carro pronta pra dar partida.

Meu celular toca, "puta merda" a quanto tempo eu fiquei assim ausente? Eram mais de 45 chamadas perdidas, metade de papai e outra metade dos meus irmãos.
Respiro fundo e atendo o homem que se portava como o rei majestoso de minha existência.

__Oi pai.

Digo no tom mas passivo que consigo. Minha cabeça parecia uma dinamite prestes a explodir.

__Giovanna, onde você está?

A voz dele estava calma, porém isso não era um bom sinal. Papai sempre agia com calma exagerada quando estava prestes pra dar um golpe ou contra golpe.
Eu sabia perfeitamente bem disso, e os defuntos em baixo da terra também.

__Você está surda?

Coloco o celular no viva voz e dou partida no carro, precisava sair dali rapidamente.

__Não pai, não estou surda.

Digo me concentrando na direção e na estrada a minha frente.

__Daqui a pouco já estou chegando. Vou desligar porque estou dirigindo.

Não espero ele responder e encerro a ligação.
Sinto meu estômago embrulhar, realmente eu tava mal, olho pelo retrovisor e vejo a moto de Gus me seguindo.
"Pro caralho"
Estaciono o carro ao mesmo tempo que a moto dele para ao meu lado.

__Porra Giovanna, dirigindo nesse estado?

Ele grita comigo enquanto entra no carro.

__Vocês sabiam o tempo todo onde eu estava né, pra que esse teatro?

Digo com raiva enquanto o vejo se acomodar no banco ao meu lado

__Você conhece muito bem o coroa maninha, sabe que cada passo seu é vigiado. E ainda bem né, pow dirigindo em Zig Zag, você ainda tá bêbada!!

__Eu não estou não!!!

Tento argumentar, mas é impossível. Gus por ser o mais velho sabia perfeitamente ganhar causa ganha em qualquer discussão. Ele era o perfeito.

__Passa pro banco de trás pirralha, vai dormir vai.

__O carro é meu! Você não tem esse dire...

Me calo quando recebo o olhar mortal dele, mesmo assim relutante troco de lugar com ele e vou para o banco de trás.

Vejo seus seguranças encostarem ao nosso lado e um deles montar na moto do meu irmão esperando seu aval pra dar a partida.

Porém Gus continuava me encarando pelo retrovisor.
Já era de se esperar que não ia ficar só por aquilo, o esporro viria.

__Você já tem 17 anos Gio. Tá feio essa postura de gatinha rebelde.

Ele dar partida no carro, e eu me encolho no banco, Gus nunca me entenderia.

__Papai já tá velho, você sabe disso. Custa entrar na linha? Custa aceitar a família na qual você faz parte?

__Vocês são bandidos! Matam roubam ameaçam as pessoas, e querem que eu faça parte dessa corja!!

___SOMOS a sua família! Pirralha, tenha mais respeito. Ninguém quer que você seja como nós, mas também não contra nós, cê entende??

__Eu só quero viver a minha vida Gus. Mas você e papai querem que eu faça parte disso Simm

__Não é fazer parte, você só vai se casar com o herdeiro do clã Bertolo. E continuar sua vida de dondoca. É o mínimo que você pode fazer, depois de envergonhar nossa casa quando entregou sua virgindade ao um vagabundo de rua

O vejo fazer cara de nojo ao dizer a última frase. Sinto meu peito queimar de angústia, tudo pra eles se resumia a isso.

__Vocês saem o tempo todo com vagabundas e meretrizes e está tudo certo.

__A sua sorte maninha é que com você pai tem o coração mole. Já eu não, e em breve eu vou suceder o coroa e para o seu bem é melhor entrar na linha.

__Ou.....

Gus respira como se pensasse em algo, eu conhecia bem aquela expressão, ele estava me encurralando como fazia com as suas vítimas, as deixando indefesa e sem saída.

__Ou você casa com o pretendente que foi escolhido, ou.... Eu te colocarei no convento. E tenha certeza Giovanna que eu vou me certificar pessoalmente que você viva sempre reclusa e sem regalias. Fui claro ?

Tenho um ataque de risos mas rapidamente me ajeito quando vejo seus olhos se intensificarem em mim.

__Entendi... Casamento carnal ou religioso,de qualquer maneira não escaparei do casamento.

Dessa vez ele é quem rir. E como se desse a última sentença ele fala

__Sim, exatamente.

Fecho os olhos imaginando como seria bom se num passe de mágica tudo isso sumisse. Como seria viver livre? Podendo tomar as próprias decisões sem qualquer tipo de ameaça ou medo.

Eu não iria me casar contra a vontade, pelo menos não com quem eles queriam.
Mas por hora, decidir deixar meu irmão achar que ganhou a batalha.