Retrato - Hannigram

Capítulo único

– Por que não Goya? Por que não qualquer outra obra mais visceral? – Will perguntou sem tirar os olhos de Hannibal, que por sua vez não desviou a atenção do quadro renascentista a sua frente. Florença era uma paixão, assim como obras de arte.

– Porque, quando eu penso em arte, eu não penso em um retrato de Hannibal Lecter, Will – O Lecter disse calmamente, suspirando brevemente antes de encontrar os olhos do moreno – A algum tempo atrás, eu pensaria em uma máscara.

– E agora? – O empata quis saber. Ele estava desesperado para tentar desvendar nem que fosse uma mísera parte da mente de Hannibal.

– A beleza que eu busco na arte... É a mesma que a de um retrato conhecido – A confissão iluminou a face do mais velho, estava mais uma vez flertando com o Graham, de uma maneira que sabia que apenas ele poderia compreender. Will desviou os olhos e encarou suas próprias mãos que naquele momento pareciam estar encharcadas de sangue.

– Eu não me sinto uma obra renascentista, Hannibal – admitiu com a voz baixa, então ergueu a cabeça e se perdeu nos olhos frios do Lecter. O homem a sua frente representava de certa forma sua pior face, ainda sim, Will estava apaixonado por essa persona. Talvez ele fosse narcisista, mas era mais provável que simplesmente estivesse insano – Talvez sua análise esteja um pouco tardia.

– Pelo contrário, os olhos do artista determinam o contexto da obra – O psiquiatra sussurrou com a voz firme e constante, ele sentia vontade de seguir seus instintos mais primitivos todas as vezes em que Will o observava com tamanha devoção – Você pode julgar sua natureza tão visceral quanto a minha, mas eu ainda a verei como uma construção pensada em cada detalhe e arquitetada minuciosamente.

A afirmação subjetiva feita pelo Lecter fervilhou pelo peito do moreno. Hannibal era um artista, Will era sua obra. Ele havia pensado em cada pincelada, cada cor que usou, cada elemento na tela. "O monstro de Florença" – ou quaisquer nomes que pudessem ser destinados àquele ser a sua frente – havia moldado sua mente e construído, pedaço por pedaço, da pessoa que o Graham era naquele momento.

– Eu não sei se devo tomar isso como um elogio – O empata murmurou em um suspiro risonho, esse breve traço fez um pequeno sorriso surgir no rosto do mais velho.

– Você não o fazer exerce o mesmo efeito de um elogio direcionado a mim, Will – Hannibal soprou, não se cansando de se fascinar com o eterno estado de conflito do homem a sua frente – E em seu âmago, você continua apreciando a tela, ainda que as nossas impressões sejam destoantes.