Rodeios da Vida

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Boiadeiros, uma cidade pacata no interior de São Paulo, abriga diversos campeonatos de rodeios. Apesar de pequena parece ser um bom lugar para ganhar a vida. Peões de diversos estados do Brasil e do mundo, vão para lá montar os touros mais bravos da região. Os habitantes desse município são calorosos e receptivos, sem falar que adoram uma festa.

Talvez tenha sido isso que atraiu Denilson Martins, ou melhor Dinho, como era mais conhecido, para lá, desde pequeno sempre sonhou em ser peão. Na fazenda de seu pai, em Rondonópolis no Mato Grosso, o ajudava junto com seu irmão Daniel, a tocar o gado e nos afazeres do dia-a-dia. Quando podia, participava dos rodeios mirins montando carneiros ágeis, ariscos e pequenos.

Seu pai Francisco, o incentivava a seguir seu sonho, sua mãe Maria também, apesar de ficar com o coração apertado toda vez que via seu pequeno montando um daqueles carneiros. A família de Dinho era pequena e vivia de maneira simples, porém nunca lhes faltou nada. Ele também tinha uma irmã mais nova chamada Diana.

Aos 25 anos, o jovem se tornou um dos melhores peões do Mato Grosso, sua fama moderada se espalhou Brasil afora. Com isso, foi convidado a participar do rodeio de Barretos em São Paulo, tornando-se afamado de vez ao ganhar o torneio três vezes seguidas. Hoje aos 30 anos e com uma carreira sólida nos rodeios, coleciona vários prêmios e fivelas e, em cada rodeio, sempre deixava corações partidos por onde passava. 

Nunca quis se prender a mulher nenhuma, até se encantar com certos olhos verdes. O peão recebia diversas propostas para se juntar a companhias de rodeio, mas sempre recusou, preferia manter sua carreira independente, até que cruzou com um importante tropeiro de Boiadeiros. Seu nome, Roberto Sinval Fontes, dono da companhia Neuta Aparecida.

Sinval, como era mais conhecido, nasceu e se criou em Boiadeiros. Um homem bonito de olhos azuis e cabelos escuros, bem afeiçoado mesmo, apesar dos seus 50 anos. Filho de fazendeiros ricos, sempre fora mimado e teve tudo o que quis nas palmas das mãos. Não conhecia a palavra limites e sempre que queria alguma coisa (ou alguém), recorria a meios duvidosos quando não conseguia de maneira lícita.

Na cidade, era conhecido como um homem bom e caridoso, afinal de contas tinha que manter a boa reputação da família Fontes. Não tinha ninguém em Boiadeiros que não conhecesse esta estimada família. Os Fontes praticamente fundaram o município anos atrás ao instalarem sua fazenda de gado na região. Com o tempo, pequenas vilas foram se formando em torno da mesma, pessoas vinham de outras cidades para tentar a vida em São Paulo e acabaram se estabelecendo na região ao conseguirem um emprego na próspera fazenda.

Boiadeiros foi crescendo e com os anos mostrou um grande potencial para o rodeio. Assim os Fontes, vendo uma ótima oportunidade de aumentar os negócios da família, investiram em uma companhia própria e construíram uma arena de rodeio que, apesar de não se igualar a de Barretos, atraía a atenção de diversos empresários e peões mundo afora. Inicialmente, a companhia se chamava Rainha Dourada, mas como o herdeiro dos Fontes casou-se, ele mudou o nome para Neuta Aparecida em homenagem a esposa. Um gesto romântico e apaixonado, pelo menos nas aparências.

Neuta é uma mulher de 40 anos, casada há quinze anos com Sinval. Carregava em si uma beleza descomunal, chamava a atenção por onde passava, o que despertava os ciúmes do marido. Com belos olhos verdes, que mais pareciam esmeraldas de tão brilhantes, tinha uma feição séria e rígida o que impunha o respeito de seus admiradores. Possuía uma personalidade forte e decidida, mas geralmente era uma pessoa calma e tranquila, que evitava conflitos e discussões em público. Daria um boi para sair de uma briga, mas quando batiam de frente com sua pessoa, dava uma boiada para não sair dela.

Antes de se casar com Sinval, a dama morava no Rio de Janeiro e namorava um rapaz chamado Tony, por quem era perdidamente apaixonada. Planejavam se casar, mas um trágico acidente ceifou a vida do jovem, o que a deixou arrasada e vulnerável aos avanços do atual marido, que era melhor amigo de seu noivo.

Na época do acidente, Neuta e Tony haviam acabado de se formar em medicina veterinária. Ela trabalhava em uma pequena clínica no centro da cidade e ele fazia alguns trabalhos nas fazendas próximas, quando não ia a trabalho até a fazenda de Sinval. Seus planos eram de montar a própria clínica veterinária em sociedade com o amado, estavam investindo nisso quando houve a partida precoce dele. Neuta entrou em profunda depressão, nunca imaginou que fosse perder o amor de sua vida assim tão repentinamente.

Sinval, assim que colocou os olhos em Neuta, se apaixonou, pelo menos era o que ele pensava. Ela era uma mulher belíssima, deslumbrante e cheia de vida. Mesmo com a morte do melhor amigo, não perdeu tempo. Aproveitando-se da vulnerabilidade da moça, foi cercando-a aos poucos, fingindo-se de preocupado e arrasado pela perda do amigo, jogando seus cuidados em torno dela até que um ano e meio depois finalmente conseguira o que queria: casar-se com ela.

Neuta não casara apaixonada, nem nunca amou o marido, seu coração ainda pertencia a Tony. Só aceitou o seu pedido porque ele fora um porto seguro para ela em seu momento de fraqueza. Até certo ponto do casamento, sentira gratidão por ele, só que com o passar do tempo, viu que Sinval não era aquele homem bom e generoso que sempre mostrara. Aos poucos, sua verdadeira face foi aparecendo, um simples e inocente gesto seu, como sorrir para um amigo, despertava os ciúmes exagerado dele. Sem falar que era um exímio beberrão e mulherengo, nem o quarto do casal era respeitado.

Atualmente, viviam um casamento de aparências, a admiração e gratidão que antes tinha pelo marido agora se tornaram em asco e desprezo. Tentou se separar algumas vezes, mas descobriu que Sinval além de ser um crápula também era perigoso e um pequeno acidente com sua mãe no Rio de Janeiro a fez comprovar isso. Graças a Deus, sua mãe estava bem, no entanto, permaneceu nesse casamento fracassado e cheio de ameaças para proteger sua família.

Sentia-se abençoada por não terem filhos, apesar de os querer, Sinval não seria um bom pai e não daria exemplo nenhum a eles. A essa altura da vida, pensava que não os teria, já que há algum tempo dormia separada do marido e não suportava que ele a tocasse. E apesar de Sinval insistir e em algumas vezes ser violento, ela sempre conseguia escapar dele. Não sabia quanto tempo duraria essa situação, pois o homem se tornava instável a cada dia. Mas se tinha uma certeza na vida, era que nunca o deixaria tocá-la novamente.

Apesar de ser um péssimo marido, Sinval era um ótimo empresário. E nesse momento, estava negociando com um peão afamado a sua contratação. Neuta só o conhecia de fama mesmo, sabia que já havia ganhado vários rodeios por aí. O interesse de Sinval nele, além de sua fama, era contratá-lo para competir em nome de sua companhia e assim conseguir uma vaga para o rodeio de Davie, nos Estados Unidos e, para isso, precisava do melhor de todos. O que Neuta não imaginava era que a chegada desse peão mudaria sua vida para sempre.

A Dama & O PeãoOnde histórias criam vida. Descubra agora