Prólogo

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Era o primeiro dia de aula, mas Nick ficou no dormitório e dormiu até mais tarde. Todos os veteranos ficariam ocupados recebendo os calouros, então não era como se estivesse perdendo muita coisa. Acordou com o celular vibrando e esticou o braço, ainda sonolento, para ler as mensagens, inclusive a de um remetente desconhecido que dizia: "Ontem foi irado". Eu deveria lembrar do que aconteceu ontem?, perguntou-se, sentindo a cabeça latejar. Já passava das duas da tarde, então levantou, calçou o tênis e se arrastou para a cantina. Não estava exatamente com fome, então pegou um copo de café e saiu pelo campus.

Ao longe, podia ouvir os gritos de guerra que os calouros eram obrigados a cantar em plenos pulmões; a primeira semana era sempre dedicada aos jogos de integração, como o trote era carinhosamente apelidado pela coordenação da universidade. Depois de alguns incidentes, o trote pesado foi banido, mas talvez fizessem vista grossa para o resto porque era uma espécie de tradição.

Lembrou-se de como foi seu trote. Não pretendia participar, afinal não via sentido naquilo. Mas naquela época, tinha acabado de passar por um momento bem ruim, e algum lugar dentro de si desejou secretamente aquele sofrimento, como para se punir.

Balançou a cabeça, tentando afastar aquelas memórias.

— Ei cara, onde você estava? — Perguntou um colega de classe que sempre esquecia o nome. João? José?

— Como assim? Estive com vocês o tempo todo, você não viu?

O colega juntou as sobrancelhas, confuso, depois caiu na risada.

— Cara, você é engraçado — O colega respondeu, apontando para Nick enquanto partia apressado em direção ao dormitório — A gente devia sair mais.

Nick não se achava engraçado; era sarcástico demais para ser engraçado.

Colocou um palito de dentes na boca. Não sabia quando tinha começado com isso, mas o ato o lembrava dos filmes antigos que costumava assistir com seu avô. Nick gostava daqueles filmes porque havia uma verdade silenciosa neles que simplesmente não conseguia encontrar nos de hoje em dia.

Caminhou até o prédio da Secretaria calmamente, parando, às vezes, para observar pequenos grupos de estudantes fazendo alguma coisa bem estúpida, como escorregar num tobogã de sabão improvisado com lona.

— Você está atrasado — disse a atendente da Secretaria — Todos os alunos do seu curso já se matricularam e algumas classes estão sem vaga.

Nick apoiou o queixo com as mãos e fitou a atendente:

— Não tem nada mesmo que a gente possa fazer?

Nick sempre usava seu tom adulador para conseguir o que queria, e sabia que a atendente daria um jeito na sua grade de aulas. Foi assim no ano passado também.

Nick ainda pôde ouvir um "Não sou paga pra isso" enquanto ela dava meia volta.

Depois de comer um lanche triste na lanchonete, Nick passou o resto da tarde na biblioteca folheando jornais antigos (era uma espécie de hobby) e, quando finalmente deixou o prédio, o sol já estava baixo; as sombras das árvores se alongando pela grama. Sentou na escadaria e relaxou, sentindo a brisa quente do final da tarde soprar e bagunçar seus cabelos.

Checou o celular, e já tinha uma mensagem de Sophia no grupo: "Amanhã começa o treino, pessoal!". Foi quando viu alguém passar por ele e parar na escadaria um pouco à sua frente. O garoto cuspiu do outro lado do corrimão e depois se virou. O rosto estava cheio de cortes, o olho esquerdo bem inchado, e Nick tinha certeza que ele havia acabado de limpar o sangue do nariz, pela mancha avermelhada que ficou na sua manga.

— Ei, calouro de Artes, vem cá — Nick repetiu as palavras escritas no moletom do garoto — você parece meio perdido.

O calouro virou-se surpreso, talvez se perguntando como ele teria adivinhado, mas a tinta, o moletom e o cabelo raspado o denunciavam.

— A enfermaria fica por ali — apontou.

— Não, relaxa. Isso não é nada. Eu tô legal.

Mas a verdade é que parecia ruim. Ele estava um total desastre da cabeça aos pés.

— Quem foi que fez isso? Algum veterano? — perguntou.

O garoto ficou parado por um momento, um pouco hesitante, então suspirou e fez uma careta de dor logo em seguida.

— É melhor colocar gelo nisso aí. Vai por mim.

Normalmente, Nick não se importava. Mas estava se sentindo estranho naquele dia, como sempre se sentia quando voltava pra universidade depois das férias. Finalmente longe da família e da sensação sufocante de um quarto que nem parecia mais seu, de uma existência que apenas se arrastava, enquanto tudo que queria era sentir a emoção das quadras de novo.

Quando se deu conta, estava guiando o calouro para a enfermaria.

O garoto observava tudo ao seu redor com um olhar curioso, parecendo maquinar algo importante sobre aquilo em sua própria mente, e por um momento se conectou com aquela cena porque o lembrava de si mesmo no primeiro ano. O deslumbramento, as possibilidades, a promessa dos anos da sua vida... mas no fim, o que teve no lugar? Uma boa dose de decepção. A marca no rosto do calouro também o lembrava de como ele mesmo poderia ser volátil, bem quando poderia ter se contido e pensado de forma racional. Isso o teria poupado de tantas coisas que vieram depois.

E também havia algo naquele silêncio entre eles que o confortava, porque na maioria do tempo, as conversas fiadas apenas o irritavam.



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Nota da Autora: Aqui embaixo vocês podem conferir algumas páginas que desenhei inspirada no prólogo do livro! Sempre que tiver alguma página ou ilustração inspirada em alguma cena postarei junto porque eu acho isso tão legal! xD

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