Consumo

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Deus, se é para isto me consumir que o faça de uma vez!
Que não me entregue aos poucos essa aflição pungente
Tenho tanto medo desta tremedeira
Deste farfalhar do peito
Da respiração entrecortada
Do calafrio
De ter de forçar a estabilidade
Ai, ai, ai, quantos enfadonhos ais e ais e ais e ais que não serão corrigidos quando eu estiver são!
Ai, ai, não penso em outra palavra
Ai, ai, ai, ai, ai, como um coração parando de bater lentamente ao mesmo tempo que decorre acelerado
Queria ver como era escrever assim
Melhor, não queria saber jamais como era escrever assim
Mas sei
Piedade? Não mereço
Não mereço nada
Melhor: mereço o nada
Merecer nada e merecer o nada se diferem em muito
Queria ter cansaço, mas não me paro
Não posso me parar se não grito
Não posso gritar se não escutam
Não podem escutar se não se assustam
Não podem se assustar se não choro
Choro, choro, choro, mas tampouco posso chorar, se não escutam
Meu deus
Ai, ai, ai, voltou
Voltou com um semblante sério que desafia devorar o tecido que há dentro de mim
Nem sei como consigo criar metáforas nesse momento
Nem sei como consigo escrever
Nem sei como consigo continuar
Ou como ainda vou sorrir
E crer
Crer no quê?
Crer
Crer em qualquer coisa, crer na flor que aparece, crer no céu, nos pássaros, na poesia da vida
Que vida tremenda, não é?
Que vida bela, que vida sorridente, que momento ótimo que passo contigo, não é?
Crer, crer, qualquer coisa, crer, crer!
O semblante volta, persegue-me, não importa o que eu faço
Já esqueci que devia soar original
Mas repito
Perdoe-me, perdoe-me, interlocutor, Deus, qualquer um
Não; só Deus me perdoe, o resto não precisa não
O resto não existe, é negrume sórdido
Crise de gargalhada (mudança de clima)
Quero rir, por isso rio muito e muito
Ai, ai, ai, ai, ai, ai!
Quero rir até morrer

Alma MortaWhere stories live. Discover now