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A mesma rotina de sempre pode ser cansativa para todos. Mas talvez não seja tanto assim para mim. É certo que eu não gostava tanto de ir para a faculdade e enfrentar aquilo todos os dias. Tudo bem, eu odiava. Passar por aquela mesma entrada e já saber que aconteceria a mesma coisa cansativa de sempre, me irritava. Eu chegava, andava pelos corredores com olhares de julgamento em mim apenas por ser uma bolsista, e ao mesmo tempo era ignorada. Fazia milhares de lições e aguentava pessoas mesquinhas na minha sala e nos corredores, tanto os alunos quanto os professores. E ainda me perguntam o porquê que eu não socializo naquele lugar.

As dores de cabeça que eles me causavam, eram demais para mim. Mas aguentava, porque amava o meu curso, não é assim que todos os universitários veem? Eu não podia ser uma em um milhão. Eu adorava o momento em que colocava os pés para fora daquele lugar, porque podia ser eu mesma. Dentro da faculdade, eu havia adotado uma postura diferente. Para mim sempre foi assim, principalmente com os professores. A maioria deles querem a garota que os obedece sem sequer questionar os meios de ensinos deles. Gostam das que não enchem o saco e não perguntam do porquê estão cheirando a álcool às seis da manhã.

Mas fora de lá, posso ser eu mesma, ser a pessoa que eu queria, não que as pessoas queriam que eu fosse. Assim que colocava os meus pés para fora, eu corria para a biblioteca para estudar. Depois de lá, ia para um parque onde ficava desenhando ou lendo, muita das vezes acompanhada de algum doce. Depois ia para a minha casa, tomava um banho, estudava mais um pouco e assistia alguma coisa, mas sempre me distraía com algo, um desenho mal acabado, um livro interessante, ou com o meu celular.

E logo adormecia, pensando que no dia seguinte, teria que aguentar as mesmas pessoas. Eu gostava da minha rotina em si, além de eu já ter me acostumado, era legal. Mas apenas desejava pular a parte que eu teria que ficar presa lá com esses tipos de pessoas, ou apenas desejava com que eles não existissem. E dentro de uma das pessoas mais irritantes que havia lá, uma se destacava; Cate Blanchett. O pesadelo de todos ali, o próprio bicho de sete cabeças. Apenas saiba que é o ser humano mais horrível que existe.

Não que ela atormente a minha vida, longe disso. Eu também passava bem longe de criar algum problema para Cate, por eu não gostar disso e, obviamente, não ser louca a esse ponto. Eu tiro boas notas, sou uma aluna calma e quieta, diferente de muitos drogados e filhinhos de papai que existem naquele lugar, então, eu acabo por passar despercebida. O que eu adoro, na verdade. É bom ter atenção às vezes, mas não trocaria a minha paz e sossego para pessoas que não sabem controlar o tom de voz, com cheiro de maconha e álcool vierem me cumprimentar. Preferia ficar com os meus livros e músicas enquanto ignoro todos em minha volta. Terapia.

Mas por que não falar da mulher que aterroriza a faculdade?

Cate Blanchett, professora de física. Essa mulher não perdoa. Alguns comentam que eu tenho sorte de ser próxima de sua filha, mas não muda nada, ela parece separar muito bem o profissional do pessoal. De todos os jeitos ela consegue colocar o terror, não que ela vá ser carinhosa após saírem da faculdade, no meu caso, eu nem sequer tenho destaque, o que estranhamente me incomoda.Ela é uma mulher sedutora, atraente, inteligente, e acima de tudo, tem uma postura firme, é admirável, na verdade. Ninguém passa por cima dessa mulher. E vale ressaltar que nada é impossível para ela. Ela deve ser o famoso: quero ser ela quando crescer. Ou não.

Todos se perguntam por que ela não vira diretora, já que tem o poder necessário para isso. Mas talvez seja porque ela gosta do poder de assustar os alunos. Claro que se ela fosse diretora, poderia fazer isso, mas tenho certeza que horas na sala com os alunos duas vezes na semana é muito mais prazeroso. Mas mesmo assim, Cate é o menor dos meus problemas, por mais que eu sempre revire os olhos quando escuto os saltos super caros dela pelos corredores, ou assim que ela pisa na sala e passa por todos sem falar nada e apenas pedem para que abram seus livros. Ela continua sendo o menor de meus problemas.

Ou era, até eu começar a olhar uma segunda vez quando ela passava por mim no corredor (o que era difícil, na verdade) enquanto seu cheiro ficava espalhado no ar. Arrumar a minha postura assim que a via, ou começar a gaguejar quando fosse falar com ela. Certo, sempre tive problemas de conversar em público, mas não tinha um público, era eu e Blanchett. Nós duas, apenas isso. Então qual era o problema? Está certo que ela dá medo, mas isso não me impedia de ter uma conversa normal com ela sem parecer que eu cometi um crime. Blanchett é atraente, isso não posso e nunca neguei, arranca suspiros de todos os homens por onde passa. Mas... de uma universitária? Por favor.

Arrancar um suspiro (ou dois) de uma universitária, com certeza não é uma coisa que você acharia comum. Elena disse que é como um ritual de passagem na faculdade dormir com um professor. Mas colocar tudo a perder com isso seria loucura, mas esse nem é o ponto aqui. Cate não faz parte disso, se é que me entendem. E se relacionar romanticamente com algum aluno, funcionário ou chefe, não parece ser do feitio dela. Claro que eu não a conheço tão bem, mas parece estar escrito nela.

Não quero me precipitar. A Cate é apenas atraente, isso todos podem achar, seria estranho se não achassem. Não é apenas sua beleza, é a sua confiança também. Que tal sairmos desse assunto? Não é como se eu fosse invisível para Cate, profissionalmente falando e talvez pessoalmente (já que eu era melhor amiga da sua filha, Allyson). A maioria dos professores desse lugar, apenas ignoram as minhas respostas, minhas opiniões ou a minha existência.

Então sim, Blanchett sabia da minha existência e não me ignorava (agradeço, Cate). Sendo mais específica, na faculdade ela não me ignorava. Como aluna, ela não me ignorava. Mas ela deve ignorar a minha existência em sua casa porque se cansou. Mas como não se cansar, não é? Quase sempre eu estava lá. Não que eu a visse o tempo todo, era como se ela procurasse sempre ficar em seu escritório para me evitar, ou algo do tipo. Então ela apenas não quer me aturar em sua casa também. Eu sou tão entediante assim para você, Blanchett?

Bom, não é como se uma mulher na faixa dos quarenta tivesse tantos assuntos para conversar com uma jovem. Provavelmente nossos assuntos eram insuportáveis para ela. Se ela nos ouvisse nos corredores, provavelmente devia revirar os olhos e dizer: "Imbecis". E falando no diabo... Eu estava sentada na escada lendo um livro quando a vi subindo. Ela tinha alguns livros apoiados em seu antebraço, sua bolsa em outro e o óculos pendurado em sua típica camisa social.

Vi seus olhos pararem em mim, o que me fez voltar imediatamente a minha atenção para a minha vida. Teria funcionado, se ela não estivesse caminhando até mim. A olhei novamente, vendo-a tirar um livro no meio de outros.

— Você deve ter o esquecido em minha casa. — ela me disse enquanto me estendia o livro. — Perguntei para Allyson, ela disse que você não tinha emprestado para ela, então... — eu olhei o livro de capa azul. — Inteligência Emocional. — falou. — É um bom livro. Aborda um tema interessante. E acho que o assunto tratado é algo que está em falta nos dias atuais. — eu o peguei. — Autoconhecimento é algo trabalhoso. Está colocando isso em sua vida? — pisquei algumas vezes, tentando absorver o fato de que essa era a maior conversa que eu já havia tido com ela.

— Sim, eu... eu estou tentando. — gaguejei.

— E você está bem? Isso realmente não é algo tão fácil. — tinha apenas uma coisa que eu queria muito dizer: puta que pariu. Ela estava se preocupando? Eu apenas queria me deliciar com isso agora. — Hernández? — um choque percorreu meu corpo, me fazendo voltar para a realidade. Por que é tão difícil agir normalmente?

— Estou. Estou bem.

— Certo. — por mais que eu tivesse sentido um toque de desconfiança em sua voz, ela só se afastou mais para o lado e subiu para o próximo andar. Eu devo ter desligado muito daqui. Só esperava que ela não pensasse que eu fosse como alguns outros alunos daqui. Um bando de viciados. Confesso que as minhas olheiras e meus olhos vermelhos não ajudam nisso.

Be Mine Where stories live. Discover now