Vida, Morte, Vida

9 1 0
                                    


Sentavam-se ao redor da fogueira como faziam em muitas outras noites. Apesar das coisas estarem mais complicadas e corridas desde o rompimento de Vic com sua mãe, e com eles muitas vezes tendo de lutar com caçadores de recompensas atrás do prêmio colocado desde então pela cabeça do bardo, esta era uma noite tranquila, e todos aproveitavam como podiam.

Shi e Touro, sentados ombro a ombro, repousam as costas cansadas num tronco caído de um pinheiro enquanto conversam em voz baixa. Fitando a fogueira, os dois pareciam felizes e satisfeitos, apesar de sujos e cansados.

Geburath deitava-se mais próxima da fogueira do que Fliq jamais imaginaria que alguém pudesse se sentir confortável. Usando o cabo do machado afiado como travesseiro, a clériga de si mesma comera uma imensa porção de carne e depois praticamente desmaiara num sono que o ladino reconheceu como o mais pesado e exausto em que já a vira entrar.

Vic, entretanto, mal se movera desde que sentaram e armaram o acampamento improvisado. Afinava seu alaúde com carinhoso cuidado, e ao dedilhar uma nota baixinha, olhou para os lados para conferir se não chamava atenção para si mesmo ou para seu grupo, acampado naquele pedacinho escondido de mata. Decidindo que não era o caso, tocou uma segunda nota, e uma terceira.

A melodia, apesar de baixa, ocupava o silencioso acampamento como um cobertor de avó. Aquecia corações, afagava rostos cansados, trazia um pequeno conforto para quem não sabia o que significava isso há semanas.

Fliq, quase sem respirar, via o bardo dedilhar lentamente sua canção e prestava atenção em cada detalhe. Via os dedos finos correndo pelas cordas do alaúde, os lábios finos sussurrando uma Canção de Cura, mas via também os olhos preocupados de Vic olhando para todos igualmente.

E não era isso que ele queria.

Vic brilhava aos olhos do ladino. O deixava queimando por dentro, e Fliq não sabia o que fazer, tinha medo da reação de Vic se ele descobrisse, tinha medo que ele o afastasse, mas ao mesmo tempo garantiu para que seu caminho estivesse livre caso conseguisse a coragem para falar alguma coisa... Já não sabia o que fazer, e a confusão o assustava ainda mais.

Fliq morreria por Vic, disso tinha certeza.

***

Era o primeiro dia de sua nova vida, e Fliq não poderia estar mais perdido. Tinha realmente morrido por Vic, e logo após ser revivido colocara pra fora tudo que estava entalado. E isso era bom.Talvez. Esperava que fosse. Se sentia bem, mas não muito. Morreu por alguém que não parecia achar muito mais dele do que um primo irritante, e algo doía fundo no peito do meio-elfo. Sentia vontade de chorar, mas se recusava a desabar na frente de todo mundo daquele jeito.

Resolvendo se distrair, olha ao redor e só vê sofrimento. Todos estão muito sujos e feridos da luta de antes, exceto pelo tal do Salaz, claro. Um aventureiro classe A. Tão forte que parecia que nem um grão de poeira era capaz de ficar sobre sua pele morena. O druida fitava a todos com atenção, mas Fliq percebia que o olhar demorava-se mais sobre ele, o que o deixava sem jeito, principalmente depois de saber que fora ele quem o carregara até o ressuscitatório público.

Escutando um acorde tímido, Fliq desvia o olhar de Salaz e volta sua atenção para Vic, que sentava-se à um canto. O braço de seu alaúde estava remendado e faltavam duas cordas, mas o bardo dedilhava teimosamente, como se aquela fosse a coisa mais importante do mundo no momento. Vic, embora concentrado, parecia perdido em si mesmo. O ladino fitou-o com tristeza, depois desviou os olhos e virou-se para dormir.

Ao Redor da FogueiraWo Geschichten leben. Entdecke jetzt