A magia da música

188 25 0
                                    

Daniel


Os dias daquela semana e as horas daqueles dias estavam passando rápido demais. Tão rápido de um jeito, que, naquela manhã, eu até perdi a hora da aula e tinha feito o Art perder também, porque ele ia para o colégio de carona comigo. Art era o mais preocupadinho de nós dois, inclusive foi o caminho de casa até o colégio com um biquinho lindo de chateação por perder a primeira aula. Eu ficava só rindo. Era mais relaxadão. Só não era tão relaxado com a natação. Com isso não, mas com o resto... Ah, tudo podia esperar.

E podia pra esperar tanto que eu até dei uma passadinha marota na lanchonete do colégio, antes de ir pra aula, e, agora, caminhava pelos corredores de St. Peter's com meu super ultra mega master blaster big hiper sandubão que a tiazinha preparou com todo carinho. Ah qual é? Eu já estava atrasado mesmo... Qual o problema de atrasar mais um pouquinho? Era tipo aquele ditado lá "não deixe para fazer agora o que você pode fazer amanhã e tal". Ou sei lá. Talvez fosse o contrário. Ah, não importava.

O que importava era que eu estava matando aquilo que sempre me matava: a fome. E não estava nem aí mesmo de chegar no meio da aula. Qual o problema? Eu só tinha perdido, sei lá, uma hora de aula? Coisa pouca. Por isso, na maior, abri a porta da minha classe e dei de cara com a professora, que estava no meio da sua explicação sobre sei lá o que de biologia.

— E aí, fessora! Tranquilo? — Com a boca abarrotada de sanduíche, falei e, para completar, fiz um sinalzinho de maneiro com a mão que estava livre. Automaticamente, a classe inteira riu daquilo. Eu nem aí. Gostava de fazer a galera rir mesmo.

A professora, que era gente boa e já sabia do meu jeito, ainda deu uma risadinha também. Ela era maneira, daquelas que gostavam de tirar piada com os alunos. Eu me aproveitava, né? Piadista com piadista era só sucesso.

— Então, pessoal... — deu um breve suspiro, depois da risadinha, e continuou. — Como eu estava explicando, alguns adolescentes entre os dezoito aos vinte e um anos, que ainda estão em fase de crescimento, demoram um pouco para concluir o processo de transição da fase jovem para a adulta, sendo conhecidos como retardatários — olhou para mim, com ar de intelectual, logo depois que me sentei em uma das carteiras, e... — Você, Daniel, me diga uma coisa... Quantos sanduíches desses você consegue comer por vez?

— Ah, fessora... — balancei a cabeça, fazendo uma cara de tipo "olha, não duvide da minha capacidade". — Um desse aqui eu como brincando — garanti. — Mas uns três assim... Uns três dá legal viu! Dá pro gasto!

Quando me calei, comecei a ouvir as primeiras risadinhas.

— Bom, pessoal... — Ainda com ar de intelectual, encarou a turma. — Esse apetite voraz é típico de um caso de adolescente que está em fase de crescimento. Percebem o que quero de dizer, né? — Seu ar de seriedade desapareceu em dois segundos e sorriu com a própria brincadeira, fazendo com que a classe inteira liberasse o riso que estava prendendo, inclusive eu.

Essa professora era da hora demais, cara. Mandava bem explicando e ainda tirava onda com a gente, especialmente comigo que era o mais brincalhão da turma. Eu sempre fui assim, desde que me entendia por gente. O único período mais quieto da minha vida foi somente nas primeiras semanas morando com meus pais, por causa de alguns medos que eu carregava. Mas, antes e depois disso, eu sempre fui o que sou: desenrolado.


...


— Olha olha, a balinha de gengibre! Olha a bala de gengibre! — gritava nos sinais de trânsito, quando fechavam, e, mesmo pequeno, com apenas nove anos de idade, chamava a atenção de todos. — É medicinal! — e eu não sabia nem o que era "medicinal", mas falava porque achava o nome bonito. — Eficaz contra os males da garganta, inflamação, rouquidão, febre, dor nas costas, dor de cabeça! Cura até o câncer! Uma por dois! Três por cinco! Não perca essa grande promoção! Últimas unidades! — gritava rua acima de Lisboa, rua abaixo, e, mesmo que eu ainda não tivesse vendido nada naquela manhã e que meu saquinho ainda estivesse cheio de pacotinhos, eu continuava dizendo que eram últimas unidades.

Doce RendiçãoWhere stories live. Discover now