Postumamente: Luíza

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                                                                                I

                                                                        A notícia


Estala! Estala! Estala o chicote no cavalo! Era Dona Luíza, em sua carruagem, sabendo que a vida de seu marido havia acabado. O veículo, no escuro da madrugada, com pressa corria, e a cada metro e solavanco que passava era uma lágrima de Dona Luíza. E em meio a tanto, como uma espécie de consolo, o cocheiro esbravejava:

— "Se acalme, se acalme, já estamos chegando!".

As horas se passavam, e quando ela chegou, um grito. Ah, mas que infortúnio! A pobre senhora descobrira como a vida de seu marido havia chegado ao fim: o velho se enforcara no último andar da mansão. E o motivo? Desde que Luíza viajou para cuidar da saúde, seu marido passou a viver à faustiana, e com tantas pompas e regalos, dívidas mil acumulara, e agora, com sua morte, passaram todas para a esposa pagar. Por fim, para completar, ela descobrira também que toda fortuna evaporara. O velho Ernesto torrara o último vintém, nenhum centavo sobrara!

Luíza tentou se recompor, encontrar a solução desta problemática; e de repente - uma ideia! - de seu irmão Rodolfo, ela lembrara. Ele era prefeito da cidade, ou seja, um mestre de matemática!

— "Ele é meu irmão! Ele tem que me salvar!".

E assim como o dia nasce e o sol se levanta, certeiro Rodolfo aparecera — "tenha calma, amada irmã, eu cuidarei desta calamidade!" . O homem pagara tudo: as dívidas do finado cunhado e os gastos do funeral e, não pensando duas vezes, para o túmulo mármore carrara. Uma semana depois encomendou o mais glorioso missal: na igreja, um coral; no altar, o retrato do falecido: molduras de nogueira negra, vestimentas do linho mais puro, e na face do defunto a expressão mais jovem e descarada! E o luxo fôra tal que muitos dos defuntos nobres pareciam ter as lápides da gente mais comum da cidade.

No dia 17 de agosto, os sinos badalavam por toda cidade. A notícia da morte se espalhara. Nos jornais não havia outra coisa ocupando capa: "Ernesto, herdeiro do Grande Magnata, comete suicídio em sua mansão, na Rua da Prata!". A cidade se assustava. Naturalmente, curiosos e interesseiros vieram à porta de Luzia bater. Questionavam se os filhos do primeiro casamento ficariam com os bens, ou se a segunda viúva haveria de deter. Os políticos, por sua vez, quando o cemitério recebia o caixão, fizeram questão levá-lo até o túmulo. E diante de tanto alvoroço, vinha gente de toda parte e de todo jeito, de toda canto vinha gente, desde o nobre esperançoso ao pobre abalado, ambos seguindo cantigas de padres, bispos e carolas. "Requiem aeternam dona eis, et lux perpétua!". "Et luz perpétua", o cortejo respondia.

Depois do enterro e de todos prestarem suas homenagens, Dona Luíza, coitada, em seu profundo luto pelo marido, volta para sua mansão, e chegando lá avisou que não receberia naquele dia. Ela se deparava com o vazio do salão, e lágrimas deu à derramar quando pensava em como a solidão tomava tanto espaço. Pobre senhora, nunca teve filhos para ocupar aqueles tantos quartos, e com outras companhias agora não podia contar. Teria de se adaptar a viver novamente, para que a razão trágica não voltasse a encontrar. Tentou, em vão, apagar ele de sua memória. Então, depois de várias tentativas mal sucedidas, decidiu que não deveria esquecê-lo, ou que pelo menos não adiantava, mas sim buscar conforto com as boas lembranças, e lembrança nos álbuns não faltava.

Enquanto organizava as coisas de Ernesto, de tudo ela se lembrava, como uma centelha melancólica que em sua alma brilhava. Ela lembrou das tardes amenas em que liam juntos na biblioteca, da viagem à França quando comemoravam as núpcias do casamento; lembrou dos vinte anos, quando se casara; da vivacidade do marido, e de como ela o julgava o homem mais belo que conhecera; lembrou os concertos, saraus, bailes da nobreza. E todos aqueles momentos surgiam ali, cristalizados e com um pouco de poeira, na memória viva de Luzia. Mas e agora? Agora tudo isso acabara, a única paixão que tivera fora seu marido, a primeira paixão de quando sua juventude aflorava. "Mas que fim trágico!", ela pensava. Restou, em seus botões, esperar a sua vez. E cada dia que passava a sua casa ficava ainda mais sombria.E não tardou muito para que nela qualquer um visse apenas o vulto que Luíza se tornara. "Fôra, um dia, algo vivo. Hoje vejo um espectro de mulher alva" Rodolfo pensava enquanto sua visitas, notando o quão sua irmã estava conturbada. "Oh! Pobre Luíza". 

Canções e danças da morteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora