ATENDIMENTO # ??? - MARMITA

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Atendimento # ??? - Marmita

Uma coisa que todo mundo que trabalha sabe é: você tem de comer fora de casa em algum momento. Claro que existem os retardados que ficam de jejum desde a hora que saem até a hora que voltam, e esses são os que geralmente morrem aos 27 por alguma doença de estômago ou fígado, mas a grande maioria se alimenta normal.

Bom, quando digo "normal" falo de levar alguma coisa, uma marmita ou comer em algum restaurante. Sim, nem toda empresa tem geladeira para manter os alimentos dos funcionários sem estragar, eu sei, mas essa em questão tinha esse "luxo"

— Aí sim, almoço com entretenimento.

Ezequiel, às vezes, levava alguma coisa de casa para deixar na geladeira e comer em seu pequeno horário de pausa, o que era o caso no dia. Só que sua euforia não se dava pela topware cheia de feijão com farinha que trouxera, a alegria, na realidade, era causada por ver outra marmita dentro da geladeira.

— O que houve? — Uma mulher baixa se aproximou tentando ver o mesmo que ele. — Ah, que da hora! — Ela se conteve para não falar muito alto, mas o chiclete na sua boca estourava em bolhas maiores depois de constatar a situação e o que ela representava.

Ezequiel e Amanda viam uma marmita suja dentro da geladeira, esta, vale dizer, tinha talheres por lavar dentro dela e um guardanapo grudado na tampa com algum recado.

— O estrogonofe estava ótimo, valeu. — Ezequiel passava os olhos pelas letras ao mesmo tempo que a boca dele formava um grande "o" — Isso vai dar uma treta maligna, nunca deixaram recadinho.

— Tomara. — A garota o puxou pelo braço arrastando para a área dos micro-ondas para esquentar seus almoços.— Vai logo, a gente não pode perder isso.

Naquela empresa as pessoas meio que estavam sempre a beira do suicídio ou de um surto psicótico, tudo porque, bom... eles eram atendentes de suporte...Então eu não preciso dizer que ouvir clientes chatos detona o psicológico de qualquer um, né?

Ah preciso?

Tá bom então, olha só eu conversando com você, um monólogo maluco de um narrador tonto que acha que o leitor vai responder a qualquer momento com um amistoso e complacente "pois é, vida de atendente é foda."

Bizarro né? Pois é, eu fui atendente, por isso tenho esses "probleminha"

Má enfim.

O que eu quero dizer é: comer é uma das poucas coisas que fazem os funcionários de um callcenter se aquietarem e recobrarem, ao menos que temporariamente, a sanidade mental. Tanto que, se você já foi, conhece, ou já jogou baralho com um atendente, você sabe que sempre que a empresa quer dar algum agrado, ela dá comida para os funcionários. É tipo uma ração para manter eles vivos e obedientes. E se você viu alguma relação com agropecuária, você está certíssimo.

— Deu dez e meia, a galera vai vir com tudo. — Amanda entregou sua vasilha de comida para Ezequiel rapidamente. — Vai indo lá para as mesas, pega uma que fique mais no canto e dê para ver tudo.

— O que você vai fazer? — Ele tinha parado no arco da porta quando a viu sacar alguma coisa do bolso. — Sério isso? Você anda preparada com essas coisas nos bolsos?

— Cala a boca, nunca se sabe quando um caso desses vai acontecer. Negócios em primeiro lugar.

Ele deu de ombros e foi logo reservar algum lugar no refeitório apertado.

Um efeito engraçado de se notar nessas empresas é a pausa dos atendentes. Devido ao enorme fluxo de ligações uma espécie de revezamento acontece para todos, este é controlado por um sistema que organiza direitinho quem tem de sair para almoçar e quem tem de sair para soltar um barro, tudo para que não acumulem ligações e deixem os clientes esperando. Mas é óbvio que a maioria dos funcionários não respeita esse sistema, o que eles querem mesmo é sair para comer e xingar os piores clientes do dia todos juntos.

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