"Disparo contra o sol
Sou forte, sou por acaso
Minha metralhadora cheia de mágoas"
Continuei a treinar, ouvindo os avisos da semana e alguns tiros da tropa do fundo a treinar. Já era minha vigésima flexão e o dia mal começou, obviamente. Continuei, por mais 30 flexões até que o sargento chegou e nos mandou ficar em posição. Passou a chamada e as funções de cada. Ótimo, banheiro de novo.
"Eu sou um cara."
O banheiro estava a nojeira de sempre. Eu não sei onde esses soldados viveram, mas modos eles não têm, nem consciência de convivência. E claro, o sargento me odeia! Pela terceira vez estou limpando essa droga de banheiro fedido e imundo.
"Cansado de correr
Na direção contrária
Sem pódio de chegada ou beijo de namorada
Eu sou mais um cara"
Terminei de limpar o banheiro, cansado e suado e obviamente fedendo a produto de limpeza vencido. O que me tornei? Eu queria ser um soldado gostoso e hoje limpo vasos. Sou só mais um idiota, não sou?
Me levantei, seguindo para o banho.
"Mas se você achar
Que eu 'tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o tempo não para"
Novo dia, nova vida. Esquecer qualquer coisa e rancor que tenho, o tempo está passando e logo todos nós seremos mandados para o mesmo lugar. Hoje o treino seria de tiro, tocar em uma arma nunca foi um objetivo de vida. Mas já que estamos a treinar, qual é o problema? Preciso aprender para sobreviver.
"Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta"
Não foi difícil os primeiros 3 ou 4 alvos. Me dificultou mais quando tive que mirar no coração dos bonecos, mas consegui de qualquer forma. O sargento tentou me ajudar, por incrível que pareça.
"A tua piscina 'tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para"
O Jeep Wrangler balançava a cada buraco que passava. O terreno era bem íngreme, mas definitivamente esse não seria o problema que enfrentaríamos. Minha M1 garand estava do meu lado, os refis em minha cintura, tórax e alguns em bolso. Eu estaria na terceira divisão do centro. Logo, teria que pôr minha cara a tapa.
"Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não pára não, não para"
Era agora. Uma reza, um suspiro, um impulso. Levantar e mirar. Levantar, mirar e atirar. 1 minuto e abaixar.
"Eu não tenho data pra comemorar
Às vezes os meus dias são de par em par
Procurando agulha num palheiro"
Terminei meu "almoço". Sabe o nome disso aqui? Ração. Eu como RAÇÃO. A porção de agora era strogonoff de frango, uma goiabinha e água. Meu braço doía pelo peso da arma que carrego comigo 24h por dia ao meu lado. Estou cansado já, procurando aguentar para ir embora logo. Se eu morrer, é um caixão com meu corpo.
"Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: É matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros"
Mais um dia, não sei nem quantos dias estou aqui. Antes, eu contava muito bem, mandava cartas... Hoje já nem sei mais. Respira, inala esse cheiro podre de morte e 3... 2... 1... Vai!
Um tiro, dois tiros, três tiros, eu ainda não morri? Um, dois, três. Abaixa!
"Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro"
Jeep, dirigir e buscar novos soldados para o abate- quer dizer, campo. Eu rezei pelas vidas anteriores, essas eu deixo em suas mãos. Ontem o sargento deixou um deles limpar o banheiro, sinto o cheiro de produtos químicos que convivi por tempos... Até senti saudades ao pensar.
"A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para"
Três dos soldados de ontem não estão no almoço de hoje... Que engraçado. O tempo não para, huh? Suspirar já é costume. O sargento chamou-me atenção pela forma que minha arma estava, mas nem liguei.
"Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não pára, não, não para"
Meus primeiros dias foram assim, não foram? Eu sinto algo diferente. Arroz, strogonoff, batata palha, goiabinha e água. Eu já comi isso várias vezes, mas hoje é diferente...
Olhei pro lado, um sargento quieto, com o olho mais arregalado que o outro. Talvez seja o trauma de tudo que viu.
"Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta"
Suspira, respira, inala... Um, dois, três... Tiro, é um tiro. Levanta, um... Dois... Três! O que foi isso? Uma dor inexplicável se alastra em minha perna esquerda, e sei que virei um alvo de alguém. Procuro meu atirador, mas não acho. Até sentir um puxão para o chão e perder os sentidos.
"A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
Não, o tempo não para"
E foi descendo para me salvar que mais um tiro veio. Entre o preto branco, todas as cores existiram, e eu tive a sorte de vê-las.
"Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não pára, não, não, não não para"
Acho que minha mãe receberá um caixão com meu corpo. É, é o fim. O tempo parou pra mim. Para os outros não.
O tempo não para.
Olá a todos, eu sou a Ariel! Tenho 15 e é um prazer postar esse conto para vocês. Espero que gostem, meus amores. Se gostarem, por favor deixem a estrelinha! <3
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O Tempo Não Para
Short StoryUm soldado, uma história. Conheça a vida de Christian, o herói que precisa viver para voltar para casa, em uma versão de "O Tempo Não Para", de Cazuza.