Capítulo 1

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Era uma noite miserável, como todas as outras desde que tinha sido jogado na ilha.

Faziam só alguns meses desde que estava aqui, mas Hades já sentia como se fosse uma eternidade. Poucos meses estes que ele poderia estar passando com sua linda esposa, Perséfone, confortável em sua casa, em sua cama, em seu quarto, abraçados embaixo das cobertas com a lareira ligada.

Mas não, depois de anos, seu irmão decidiu que deveria puni-lo por um mero errinho, um mal julgamento que ele cometera a mais de 20 anos. E daí que para deuses imortais 20 anos não fosse muita coisa? Estava no passado, largue já.

A audácia. Como se desrespeitar seu domínio já não fosse o suficiente, Zeus ainda se atreveu a inscrevê-lo para a ilha. O idiota.

Bebendo mais um gole da bebida barata e ruim que achou jogada por aí, Hades cambaleou tristemente pelas ruas imundas e frias, sentindo cada vez mais falta de Perséfone, a única que havia lutado contra a sua estadia ali. Sua doce, amada e leal esposa.

Aparentemente, Fera, depois de se livrar de sua maldição, decidiu que estava apto para ser o Rei Supremo dos contos de fada e se auto elegeu o Rei dos Estados Unidos de Auradon. Novamente, a audácia.

E como se não fosse o suficiente, ele decidiu que jogaria todos os vilões em uma ilhazinha minúscula e decrépita, sem nenhuma das necessidades básicas humanas disponíveis, para pagarem por seus crimes.

Todos os vilões, até os que já morreram nas mãos dos chamados "heróis", porque aparentemente, a morte era boa demais para eles.

Ao chegar ao cais, e depois de olhar em volta para se certificar de que não tinha ninguém, Hades se deixou cair espalhafatosamente no chão, com as pernas para fora e balançando em direção ao mar abaixo de si. E ficou ali, contemplando a escuridão enquanto bebia a miséria para fora.

Após alguns minutos (ou horas, quem realmente sabia?), quando se sentiu zonzo e bêbado o suficiente para desmaiar, com a visão borrada e se distorcendo, sentiu uma presença feminina sentar-se ao seu lado.

- Oi docinho, está uma noite tão bonita, não deveria estar aqui sozinho - disse a mulher se inclinando para ele, o que fazia seu enorme decote ainda mais aparente, e brincando com os cabelos - Quer companhia?

Virando a cabeça para vislumbrar melhor, a primeira coisa que Hades notou foram os cabelos ruivos, ruivos quase iguais aos de sua amada. Ele não conseguia enxergar o rosto da moça, no entanto, o que provavelmente contribuiu para sua mente bêbada chegar a conclusão de que, de alguma forma, sua Perséfone viera até ele.

- Seph?

- Hum, não exatamente, mas eu posso ser quem você quiser - ela se inclinou, seus lábios a um fio de distância dos dele.

E realmente? Ele estava fraco no momento, completamente bêbado e morrendo de saudades de sua esposa. Foi por isso que ele se deixou convencer de que era Perséfone ali na sua frente. Foi por isso que se inclinou e pegou a boca dela com a sua com desespero.

.............

Beber fora uma ideia horrível. Foi o primeiro pensamento de Hades ao voltar lentamente à consciência e perceber a forte dor de cabeça.

Pelo menos meu amor está comigo, ele pensou satisfeito ao sentir o peso de Perséfone jogado em seu lado. Seus sentidos lentamente começaram a voltar e a próxima coisa que ele sentiu foi o fedor de lixo bem perto de si.

Ele franziu as sobrancelhas, com os olhos ainda fechados, o que no submundo estaria cheirando tão ruim? Então a realidade desceu sobre ele como um balde de água fria. Ele não estava no submundo. Estava na ilha. Perséfone não estava na ilha.

Abriu os olhos de supetão e teve de fechá-los de novo por causa da claridade repentina, antes de abrir novamente, devagar. Se sua esposa não estava ali com ele, quem estava deitada ao seu lado?

Lentamente, ele baixou o rosto. Merda, ele estava nu, o que significava que ele tinha dormido (bêbado, mas ainda assim) com outra pessoa que não sua esposa. Seu rosto empalideceu ao pensar em como ela ficaria furiosa (com razão, ele não a culparia por isso quando ele também estava bravo consigo mesmo por ceder a uma qualquer). Então levantou rapidamente os olhos para o rosto da mulher, ignorando o corpo nu.

Merda dupla. Se a situação já não fosse ruim o suficiente, era sua sobrinha. Bem, mais ou menos. Vanessa era o alter ego que Úrsula tinha usado para seduzir o Príncipe Erik. Por alguma razão desconhecida, quando foi lançada a ilha, elas foram separadas em duas pessoas diferentes.

Vanessa ainda contava como sua sobrinha se não era mais Úrsula? Mas mesmo que não fossem mais uma só, ela ainda era parte dela então quem sabe.

Que confusão.

Balançando a cabeça, determinado a não pensar nisso agora, ele se levantou e vestiu sua roupa o mais rápido possível, ignorando que tenha acordado a mulher quando se levantou bruscamente e a jogou longe. Virou-se e saiu do beco (um beco!) rapidamente, indo em direção a caverna que reivindicara para si mesmo e, em um ato de nostalgia, chamara de Submundo.

.............

Hades passou os últimos dias escondido em sua caverna, afundado em miséria, pensando em como diria a sua esposa assustadora que a traiu.

Passou dias temendo a próxima ligação dela pelo espelho encantado, a única coisa que os outros deuses lhe deram para que eles pudessem manter contato, pensando em como olharia mais uma vez para ela, se realmente merecia.

- Milorde? - uma vozinha aguda interrompeu seus pensamentos.

- O que é, pânico? - perguntou com aborrecimento

- N-nada, milorde, é só que, que tem uma mulher procurando pelo senhor, ela diz que é importante, algo sobre um bebê, eu disse que milorde estava muito ocupado mas ela insistiu e...- Pânico continuou balbuciando nervosamente.

- O QUE?

Hades se levantou num pulo e, depois de parar para ajeitar suas vestes, correu para fora o mais ordenadamente possível, parando antes de chegar no portão para respirar fundo e fingir que não era afetado por nada.

- O que está fazendo aqui? - perguntou friamente a sua sobrinha.

Vanessa, que estava parada do lado de fora, olhou maliciosamente para ele.

- Bem, nos divertimos tanto na outra noite que eu pensei que poderíamos fazer de novo - lançou-lhe um sorriso sugestivo.

Hades fechou a cara.

- Diga o que veio dizer de uma vez e então suma da minha frente - comandou.

Fazendo uma cara azeda por ter sido rejeitada, Vanessa respirou fundo e se forçou a se acalmar, lembrando-se de seu plano.

- Ora titio - Hades segurou uma careta, pensando em como isso resolvia pelo menos uma das perguntas que ele tinha - acontece que você é realmente incrível, não é? Uma só vez e conseguiu me engravidar - ela deu uma risadinha - achei que gostaria de saber, só isso.

Lançou-lhe outro sorriso malicioso e saiu, satisfeita ao ver a expressão de choque no rosto do Deus e saber que tinha algo para segurar sobre a cabeça dele.

Hades ficou parado do lado de fora de sua casa, com os olhos onde antes estava a barriga de sua sobrinha, barriga essa em que, se se concentrasse poderia sentir um pequeno fio de vida começando. Continuou ali por mais alguns momentos antes de se forçar a entrar.

Ele estava morto.

Era isso, esse era seu fim. Não importa que deuses sejam imortais, Perséfone ia encontrar uma maneira de matá-lo. Ele estava especialmente fudido.

Porra. Grávida? Isso não deveria estar acontecendo, tinha que ser um pesadelo.

No momento em que sentou na poltrona e pegou uma nova garrafa para abrir, seu outro lacaio idiota entrou correndo.

- Chefe! Chefe! Ligação da patroa para o senhor.

Mais uma vez, Hades respirou fundo e criou coragem. Se levantou, deixou a bebida no sofá, e se forçou a caminhar direto para sua morte.

- Seph, meu amor!

Descendentes da IlhaOnde histórias criam vida. Descubra agora