04- Pedra e endereço

13 3 0
                                    

Ela nem percebeu, mas quando deu por si já estava no estado vizinho, nenhum carro à sua espreita, nada parecia ter lhe seguido, estava há quase 2 horas dirigindo e chorando compulsivamente.

Parou o carro no acostamento da BR 226, sem telefone, sem nada, apenas com aquela mochila maldita e as tranqueiras que Ravi havia deixado no veículo.

- Esse verme infeliz, ele me paga- murmurava enquanto soluçava de tanto chorar - ele me paga! Se algo tiver acontecido com a Mamãe ele me paga!
Na mochila havia poucas coisas, um canivete, um caderno, uma agenda, e lá no fundo, um presente remendado.

E caso você não tenha prestado atenção, este era o mesmo presente que há anos se encontrava guardado no guarda-roupa de sua mãe, o presente deixado por seu pai no dia que ele sumiu, e que nunca foi mexido por 20 anos, mas que agora se encontrava ali, aberto, finalmente na mão do seu devido destinatário.

E assim mais lágrimas saíam de seus olhos enquanto lia o bilhete de seu pai:

Para minha filha, um dos meus eternos tesouros, feliz aniversário, seu pai e sua mãe lhe amam.

Era tanto choro que ela já não tinha forças, e seu corpo ia pedindo que parasse para não desidratar.

-pai... - murmurou Mabel para si - o que diria o senhor se visse o que seu filho se tornou? Será que teria orgulho de mim por não ser daquele jeito?

Mas ela respirou fundo, segurou a emoção e devagar foi mexendo no pacote.

O resto de papel de embrulho denunciava sua idade, este devia ter sido azul, mas com o tempo se mostrava em um tom verde acinzentado sem graça, todo rasgado, pobremente envolvendo uma pequena caixa de madeira entalhada com desenhos florais, que por sua vez guardava uma pequena pedra azulada.

Mas a pedra pouco importava, foi a letra de seu pai, em um papel junto àquela rocha, que ela queria.

E quando começou a ler foi como se estivesse voltando no tempo, na época que ele sentava em seu colo e ele lhe recitava Fernando Pessoa, Carlos Drumond, ou Gonçalves dias, que ela odiava, achava chato, ( e convenhamos, era chato mesmo), mas que agora era nostálgico.

E lá naquele papel um pequeno poema com a caligrafia dele dizia:

E de repeNte
o resumo de tudo é uma Chave.
a chave de uma porta que não abre
para O iNTeRior dEsabitado,
no solo que inexiste,
Mas a chave Existe.

Carlos Drummond de Andrade

Mal acreditava ela no que estava lendo, era um sopro de alegria para o dia tão conturbado que vivia, lhe dando um último resquício de força para continuar sua caminhada.

Mas Por que Ravi carregava isso numa bolsa?

- o que devo fazer ? - murmurava para si em meio à lágrimas.

Passou alguns instantes ali parada pensando se deveria ir à polícia, se deveria fazer algo, mas antes que tomasse qualquer atitude continuou a remexer as coisas que ali estavam, lembrando das palavras do irmão : "pedra e endereço", portanto a pedra já havia achado, faltava o endereço.

Havia um canivete enferrujado, que ela logo tirou da bolsa, pondo no bolso da calça, já que podia ser útil. Já o resto parecia meio inútil, um caderno velho com capa de surfista desgastada, e uma agenda nova, cheia de rabiscos e compromissos.

E assim, passando os dedos devagar pela agenda vermelha, folheando calmamente todas as folhas, arregalou os olhos ao perceber que no dia 9 de maio, de fato, tinha um endereço:

Rua José Odécio Teófilo Silva, número 540, Parque Alvorada, Timon.

Ponderou um pouco se deveria voltar pra casa, se deveria ir a esse lugar, ou simplesmente ir à polícia, mas não queria voltar e constatar que sua mãe e seu irmão estavam mortos. Muito menos ser responsável pela prisão de Ravi em caso de ambos estarem bem.
Deveria ela dar um voto de confiança para aquele delinquente? Deveria ela se arriscar?

Ficou ali pensando, não era muito boa em tomar decisões racionais, e assim, como tantas vezes na sua vida, contou até três, criou coragem, deu partida no carro, deixou a curiosidade lhe levar, e foi atrás do que quer que estivesse naquele local, rezando para que a gasolina fosse suficiente, e que não estivesse tomando a decisão errada.

- eu só quero que minha mãe esteja bem - murmurava ela pra si. - Deus por favor me ajude.

Mabel, oh Mabel! Where stories live. Discover now