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A revelação de Enid foi um baque para mim. Saber que a letra nas dedicatórias dos livros não era de Kara acabava por terra com a minha teoria de que ela poderia ter se inspirado nos romances policiais para forjar a própria morte. Tudo era uma grande confusão e agora eu preciso fazer esforço para entender minimamente como manusear esses casos. Enid deve ter percebido que eu fiquei pensando demais, porque ela se aproximou mais até encostar seu ombro no meu.

— Olha... eu entendo que você tá extremamente determinada a resolver esses mistérios e eu não vou te fazer largar a investigação. Mas não é saudável você deixar toda a sua vida de lado por causa disso. Pensa, quando foi a última vez que a gente fez algo legal? Eu não quero que a nossa amizade fique em segundo plano, Wandinha. E eu também não quero parecer tóxica, eu só quero passar um tempo com minha melhor amiga sem ser tentando botar juízo na cabeça dela. Vamos fazer algo legal hoje. E amanhã também! Dois dias de descanso não vão fazer mal. Hoje é sexta e amanhã, sábado, então tá tudo ótimo. Se der tudo certo, a gente até poderia fazer mais coisas legais no domingo. Por favor. Eu só te peço para você não deixar de se colocar em primeiro plano.

— Eu sempre me coloco em primeiro plano, Enid.

— Mesmo? Porque você não fala direito comigo a menos que você queira pistas ou que precise de um sermão moral sobre o Xavier. A única coisa que eu te peço é também colocar nossa relação em primeiro lugar, e não suprimi-la por causa das investigações. Por favor.

Enid me olhava com uma expressão desanimada e suplicante, como se ela já estivesse querendo me falar isso há um tempo, mas só conseguiu agora. Ela realmente estava triste porque eu não estava sendo tão presente na vida dela.

Eu nunca senti como se eu fosse uma pessoa importante o suficiente para alguém ficar triste se não ficasse perto de mim. Mas Enid ficava triste quando eu não dava tanta atenção para ela.

E eu odiava ver Enid triste. Por mais que eu não admitisse em voz alta. Mas tenho certeza que minha ação seguinte denunciou isso.

— Muito bem. O que você quer fazer agora?

O rosto de Enid se iluminou e ela mostrou aquele seu grande sorriso característico, se levantando rapidamente dando pulinhos animados enquanto Mãozinha fazia o mesmo em sua cama. Aquela cena me confortou um pouquinho mas mesmo assim, eu não iria deixá-los perceber isso.

— Se vocês não falarem logo o que vamos fazer, eu vou sair desse quarto e vou voltar a investigar.

— Não! Já tenho uma coisa em mente! Eu vi uma receita no TikTok de uma sobremesa brasileira chamada "brigadeiro". É tipo uma bola de chocolate. Não parece ser muito difícil. Depois a gente pode pegar várias besteiras da cozinha do prédio e assistir um filme na televisão!

— Que televisão, Enid?

Ela sorriu ainda mais e foi pulando animadamente até uma parede com algo grande suspenso e coberto por um pano.

— Essa televisão! A nova mãe do prédio Ophelia é minha tia e, modéstia à parte, existem alguns privilégios com isso. A gente também arrumou um jacaré para assistirmos a qualquer filme!

— O que é esse "jacaré"?

— Ah, é um aparelho que pega vários canais e tem tipo uma Netflix também, só que com muito mais filmes! Papai chama de jacaré porque jacaré tem uma boca grande e esse aparelho pega muitos canais...

Eu curvei os cantos dos meus lábios com a explicação de Enid, e foi perceptível, pois ela sorriu ainda mais e olhou para Mãozinha com os olhos brilhando. Ela voltou sua atenção para mim novamente e continuou.

Trust - Wandinha e XavierOnde histórias criam vida. Descubra agora