Ardória!

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       Quando mamãe me disse que teríamos que passar nossa viagem de formatura na antiga fazenda da família  me senti no mínimo  deslocada. Já não bastava tê-la como a diretora de minha escola, agora teria que aguentar três turmas do ensino médio escavando os escombros do que um dia foi um lugar próspero.

— Por que tinha que ser lá mamãe? Céus! Existem tantos lugares bonitos Brasil a fora e a senhora nos enfia numa pocilga que fica  entre Caravelas e lugar nenhum? - Pergunto espalmando minhas mãos sobre a bela mesa de carvalho antiga que mamãe mantinha em seu escritório.

— Alicia deixe de ser dramática. O casarão é antigo, porém ficou ótimo com as reformas. O local é  rico em histórias. Muitas trilhas, o farto rio. Ah! Minha filha, você e seus amigos terão muitas aventuras tenho certeza e claro será uma ótima economia para a escola.

— Não acredito que vai nos enfiar onde judas perdeu as botas para maquiar sua má administração da escola! - Dois segundos! Foi o tempo que levei para absorver e entender o impacto que sua mão causou em meu rosto.

— Não fale besteiras. Só Deus sabe o quanto me esforço para manter seu conforto e nosso padrão e isso as vezes pede por atitudes um tanto quanto controvérsia. - Minha mãe diz isso como se fosse algo trivial. Contornou a mesa e ao se aproximar de mim tentou depositar um beijo na evidente marca que sua mão havia deixado.

— Não se atreva! - Exclamo dando dois passos para trás. — Não jogue a culpa de sua sujeira sobre minhas costas. - Me retiro de sua sala com os olhos marejados e corro para meu quarto aonde me tranco por horas.

       No dia marcado e a contragosto me enfio na fila esperando o ônibus que nos levaria ao velho casarão da família. Fiquei um tanto quanto surpresa ao descobrir que pouco mais de 20 alunos tinha aceitado ir nesta viagem. 20 de um grupo de mais de 60 pessoas.

— Fala sério Ali, sua mãe pirou de vez. Não tem outra explicação. - Marta diz se ajeitando na poltrona do meu lado.

      Pensei que minha melhor amiga seria uma patricinha qualquer que minha mãe julgasse ser uma boa companhia, porém, Marta não é  nem de longe assim. Dona de uma personalidade forte, ela seria a típica ovelha negra da escola toda.

— Eu poderia te dar pelo menos uma explicação plausível, mais não quero apanhar novamente. - Digo mostrando como os dedos de dona Larissa ainda estavam presentes em minha bochecha.

— Definitivamente  sua mãe é  doida.

— Não deixe que ela te escute. - Respondi fazendo uma careta.

       Quatro longas horas dentro daquele ônibus fez um estrago considerável em minha bunda. Assim que estacionamos na frente do portão do imenso casarão um arrepio gélido percorreu minha coluna.

— Chegamos! -  Marta anuncia a plenos pulmões. — Já vou avisando que a suíte é  minha!

— Existem pelo menos umas 10 dessas então não se preocupe. ‐ Digo pegando minha mochila e a seguindo.

      Dou apenas alguns passos em direção ao portão e avisto a grande placa.

— Ardória! - Leio essa palavra com um peso enorme em cima de mim. Fiquei ali a encarando por um tempo.

— Vai ficar aí feito um dois de paus? - A voz de Marta me chama a realidade novamente.

— Vamos! - Disse apenas isso já passando por ela e seguindo os demais.

       Bem em nossa frente seguiam Roberta e Teobaldo, ambos da turma vizinha a nossa. Sem querer ouvi parte da conversa acalorado que mantinham.

— Deixe de contar mentira Roberta. Até parece. Bruxas! Nesse fim de mundo? - O garoto franzinho que ostentava um par de óculos extremamente  redondos falava e gesticulava ao mesmo tempo.

A lenda de Ardória.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora