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Os amores de Primavera são vívidos. Todavia, embora sustentem o mesmo vigor, estes amores no Outono se desfazem como a folhagem das árvores; os ventos levam-nos fugazmente, espalhando-os pelo chão para que sejam pisados pelos passantes – que por sua vez também se vão levados pelo vento que fecha esta estação.
         São controversas as explicações a respeito da origem deste causo que nomeou a Gruta dos Enamorados, mas a mais aceitável é, sem dúvida, aquela que diz que uma mui excêntrica maria-farinha -- ou seja, um tipo de caranguejo amarelo e branco que vive à beira das praias -- escreveu este relato após encontrar perdidos na areia um lápis e uma folha. Além disso, para reforçar esta tese, o único animal daquela região capaz de manusear um lápis é, de fato, uma maria-farinha, pois possui pinças em vez de garras ou barbatanas. Diz-se que, antes de fugir daquela praia, ela enfiou o manuscrito em uma garrafa de vidro, tampou-a e atirou-a na onda... A garrafa foi encontrada a apenas dois metros dali, trazida de volta à areia pela mesma onda -- maria-farinha não é um animal muito forte.

         Como são curiosos esses caranguejos praianos. Vagando sempre com os olhos atentos, fuxicam tudo que encontram sobre a areia; tomam conta da vida dos outros animais; trocam fofocas umas com as outras em sua galeria de túneis subterrâneos; vigiam a maré e até a Lua. Não à toa vivem limpando a areia dos olhos, pois não suportariam perder alguma coisa. Ora, a tal garrafa com uma mensagem dentro estava dando sopa à tona das espumas duma onda. Imagina como foi irresistível para elas, aquelas marias-fofoqueira! De todas as direções, andando de frente, de lado e até de costas, várias delas foram em direção à garrafa. Mas aquela que chegara primeiro não demorou a arrastar o casco para sua toca – um buraco na areia branca.

         Naturalmente, as outras marias-farinha correram e ficaram espiando da entrada do buraco. "PAH!", fez a rolha ao sair da garrafa – o que só fez atrair mais olhares curiosos. A anfitriã não percebeu, mas seu pacote atraía até gaivotas que estavam por ali.

         Na mensagem estava escrito:

         "Chamam-me de Bruxo de Saquarema, e guardo comigo o segredo dum casal de amor impossível e desfecho enigmático – para dizer o mínimo.

         Tudo teve início há mais de duzentos anos, quando um grupo de pescadores encontrou numa pedra da praia de Saquarema a imagem de uma santa. Embora fossem homens simples e devotos, faltava-lhes o conhecimento do título da Virgem, por isso a levaram para casa.

         De manhã cedo, correram ao sacerdote e contaram-lhe toda a história. O padre foi convencido a acompanhá-los à casa do tal pescador, mas a imagem havia desaparecido. A frustração espalhou-se no grupo de pescadores, que levou o pobre religioso de volta à capela.

         No outro dia, novamente encontraram a mesma imagem na mesma pedra — embora não no mesmo lugar. Os pescadores decidiram levar o ícone para casa e, depois, correram para chamar o padre –  que quando soube largou tudo para ir ter-se com a imagem da Virgem. Quando chegaram à casa, a imagem não estava mais lá.

         Passou-se mais um dia. Como era de praxe, os pescadores cercaram a pedra da praia de Saquarema à procura de peixes. O Sol se movia para o centro do firmamento e as redes continuavam a voltar vazias. Eles, então, resolveram cantar uma ladainha de Nossa Senhora para ajudar a matar a frustração.

         O canto carpido dos pescadores rasgava as ondas daquela praia aberta. Diz-se que o lamento fora carregado pela ventania, arfando as casuarinas e, por isso, era ouvido tanto do leste, para os lados do canal e Itaúna, como do oeste, onde atravessava o lajão de Jaconé e ripava ao som da sacristia de Ponta Negra.

         Ora, aparentemente a ladainha atraíra um tubarão, que começava a rondar a pedra em que os pescadores estavam. Volta e meia o bicho dava com o dorso na superfície, que brilhava à luz do Sol. Os homens ficaram receosos, pois a água estava turva e isso camuflava o bicho.

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⏰ Last updated: Jul 10, 2023 ⏰

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A Gruta dos EnamoradosWhere stories live. Discover now