Já não sei quantas vezes arrumou as malas
Amamos e brigamos mil vezes ao dia
Nem lembro quantas vezes procurei palavras
Pra te mostrar aonde nós dois juntos chegaria
Não sabe como eu corro pra cuidar de tu
Mas é verdade, eu não cuido nem de mim, eu...
Respiro fundo observando meus pais em uma eterna discursão sobre aonde eu iria morar, atualmente eu moro em Cabo Frio, Rio de Janeiro, alguns dizem que eu vivo em férias eternas, e eu até concordo com isso, esse lugar me transmite uma paz tão grande, cidade pequena, cheia de turistas e viajantes, amo morar aqui mas o meu pai recebeu uma convocação pra uma reunião da facção. Sim, ele é um bandido aliás não é um qualquer, ele é uns dos de frente do CV, não me orgulho disso e nunca irei apoiar as atitudes do meu pai mas não irei julgar ele por nada disso, ao contrário do que todos pensam eu e minha mãe nunca gostamos dessa vida, ela principalmente, largou a sua faculdade federal para se envolver com um bandido qualquer, na época ele só era um fogueteiro, não tinha nada para oferecer e mesmo assim minha mãe largou tudo por ele, não admiro ela ter largado a vida por ele mas eu admiro o amor dos dois, a compreensão, o companheirismo, meu pai pode ser o mais errado lá fora mas dentro de casa ele é e sempre vai ser meu herói, meu melhor amigo e conselheiro. Nós mudamos para Cabo Frio quando eu tinha 10 anos, saímos fugidos da cdd, a favela que meu pai comandava, ele matou o chefe da equipe de execução da bope desde então nossa vida era um inferno, ameaças em cima de ameaças era um sofrimento, não gosto de lembrar disso principalmente pela morte do meu irmão que na época estava na barriga da coroa, os polícias invadiram aonde eu e minha mãe estava ficando escondidas, aquele dia foi o pior da minha existência, eles torturam ela tanto, estupraram, tudo isso na minha frente, ela levou tanta pancada que acabou sofrendo um aborto e perdendo o nosso eterno Gabriel, nesse dia eu vi meu pai de um jeito que eu nunca havia visto, ele quebrava tudo que tinha ali naquela casa e gritava pedindo desculpas para a minha mãe que só sabia chorar, isso nunca vai sair das minhas lembranças e ficará sempre marcado na minha alma assim como está marcado na alma deles. Tem 8 anos que eu não piso na cdd e confesso que não estou muito afim de voltar para um lugar que simboliza tanto sofrimento pra todos nós.
Falcão: já falei, ela vai e pronto, não vou deixar a de menor sozinha aqui não Letícia, tá tonta é? - colocou a mão na cintura e encarou minha mãe
Letícia: mas a menina não quer ir falcão, para de ser chato cara, ela consegue se virar não é Nicolly? -olhou para aonde eu estava sentada no sofá, murmurei que sim e ele fingiu que nem ouviu nada, ele é um pouco tóxico eu diria
Falcão: é coisa rápida pô, vamos ficar lá 3 meses só, não vou deixar meu bebê sozinha em casa não, tô metendo o papo maneirinho pá vocês, você -olhou pra mim- vai e pronto sem mas - cortou antes que minha mãe argumentasse alguma coisa, ele sabe que sempre perde pra ela.
- vocês me cansam -me jogo em cima do meu pai - não vejo problema em ir, estou com saudades da minha avó, não vejo ela faz oito anos mas tem um porém - meu pai me empurrou do colo dele me chamando de gorda- larga de ser chato menor
Falcão: qual o teu porém Nicolly, tudo tem que ter um porém, tu e tua mãe são duas diabas e eu sou um pau mandando - fez o drama que ele faz todos os dias, deve ser difícil ser o único homem no meio de nós duas, entendo o meu velho
- calma, tá muito nervoso cara eu em, bofe chato, eu só não quero ficar no morro só isso, aquele lugar me traz uma sensação ruim
Falcão: eles nem lembram mais de mim garota, já tem um menor de frente lá, eu que treinei aquele cara - diz com um certo orgulho o que me faz revirar os olhos, ele é convencido, puxei isso dele. - vamos ficar numa goma lá do morro, o tempo agora é outro Nicolly e eu nunca mais vou deixar ninguém chegar perto de vocês novamente.
Observo minha mãe encarar tudo calada, esse papo mexe com ela até hoje mas não podemos ficar aqui enquanto ele vai ficar três meses fora, somos uma família e sempre vai ser um pelo outro, meu pai sempre me ensinou os valores da vida, e a família vem em primeiro lugar, amo demais esses dois. Mas quando ele entrou pra facção ele fez um juramento, jurou que o comando vem antes de família, saúde, vem antes de tudo na sua vida, eu sei que ele está quase sendo cobrado, quando você entra nessa vida você só tem dois possíveis finais, a morte ou a prisão, meu pai sempre me deixou ciente sobre tudo, nunca mentiu ou omitiu nada da vida dele, vejo direto ele discutindo pelo celular com os outros bandidos que ele chama de "colegas de trabalho", ele tem que voltar, e eu sei que não vamos ficar lá só 3 meses, ele só está tentando se enganar também, o comando não vai deixar ele fugir novamente.
Observo o movimento do mar pela janela do meu quarto, sou apaixonada por esse lugar essa paz, aqui em Cabo Frio eu trabalho num estágio no posto de saúde eu fiz o técnico de enfermagem quando estava no ensino médio,quando não estou no posto eu estou na praia ou na capela da igreja católica que tem aqui, sou muito grata a Deus por ter me dado a oportunidade de sair viva daquela favela, não sou da igreja e nem sigo os mandamentos dela mas frequento as vezes, não tenho a vida tão movimentada como uma garota de 18 anos normalmente tem mas não acho ruim não pelo contrario amo o jeito que eu levo a vida, eu sou e sempre fui muito livre,dona de mim, livre de coisas que me prendam e esse é um dos motivos de eu nunca ter namorado na vida, nunca achei alguém que me envolvesse de forma intensa, nunca achei um que me deixasse "arriada" como diz meu pai, nunca fui de ter muitas pessoas na vida, já me relacionei com dois meninos nesses meus 18 anos inteiro e nunca senti o "amor" entre homem e mulher e eu acho esse papo muito clichê e não tenho tempo pra isso.
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