Prólogo

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Fogo por todo lado. Aqueles olhos lacrimosos e desesperados refletiam as árvores flamejantes juntamente com quem estivesse perto delas, como se sua visão fosse contaminada pelo o que há de pior no ser humano e o resultado de sua crueldade. Apesar de enxergar cada detalhe ao seu redor, em sua mente jaziam apenas os gritos daqueles que tentavam inutilmente se salvar. Por outro lado, sua audição captava risadas maníacas evidenciando o sentimento prazeroso do caos criado indiretamente por si. Não sabia definir o que deixava seu coração angustiado ao ponto de espasmos atravessarem seu corpo.

— O que você fez? — perguntou engasgando-se no choro ao encarar as várias figuras místicas sem vida no gramado quase cinza.

— O que eu fiz? Tudo isso foi o que nós fizemos. Aqueles demônios foram avisados e mesmo assim nos confrontaram, apenas tiveram o que mereceram — foi respondido por aquele que um dia admirou.

Isso não deveria ter acontecido, não deveria-

— Calem-se!

O mais jovem — e mais aterrorizado — sentia-se aos poucos sufocado com a fumaça dali e não conseguia descrever o arrepio subindo pela espinha ao escutar aquela voz reverberando em cada canto. Sua figura não conseguia ser vista por olhos tão frágeis quanto os de meros humanos, mas não precisava estar cara a cara com os responsáveis pela destruição para que os fizessem lhe temer. As consequências estavam por vir e eles sabiam disso.

— Ousaram destruir nosso lar quando seus materiais brilhantes foram recusados, pois acharam que a natureza como um todo poderia ser adquirida. As almas de meus filhos e minhas filhas agora vivem longe de seus corpos e não só vocês como seu reino também pagará por cada vida ceifada.

Mesmo paralisado, conseguiu dar passos trêmulos para trás, receando qualquer ataque vindo daquele ser poderoso e desejava, mais do que qualquer coisa, voltar há alguns anos antes para não ser tão omisso em decisões importantes. Sua raça chegou ali a troco do quê? Uma fonte inesgotável de recursos? Nada fazia sentido e infelizmente só naquele momento o jovem pôde perceber isso.

Sua mente conturbada não o impediu de presenciar aquele homem ser erguido e morrer estrangulado no ar pela força oculta. De forma bizarra, um sorriso sinistro enfeitava os lábios escorrendo sangue em abundância e tornava a aparência do corpo já sem vida mais assustadora. Sabia que havia cometido mais do que um erro, havia cometido muitos pecados. E assim como aconteceu com o outro, pagaria por cada um deles.

— Age como um coelhinho assustado e não aparenta descender daquele humano sanguinário e podre de espírito — uma risada macabra ecoou em meio ao fogo e morte deixando o cenário mais tenso ainda. — Poderia ter impedido tudo isso, porém preferiu se esconder no seu conforto grande e fortificado. Uma verdadeira decepção...

— Tenha piedade Mãe Natureza! Eu posso consertar tudo isso, eu sei que posso-

— Quieto! Você foi corrompido pela ganância e medo do que deveria proteger ao invés de destruir — antes que ousasse interrompê-la, foi erguido do chão assim como o outro. Seu momento havia chegado. — A morte não lhe ensinaria nada e poderia até ser motivo de paz, algo que vossa alteza não merece.

Arregalou seus olhos enquanto mais lágrimas escorriam e passou a sentir um mal estar no estômago. O que poderia ser pior do que o fim para si?

— Somente um coração humano e puramente bom conseguiria restaurar o que sua própria raça destruiu, algo que seria improvável, mas não impossível — o que antes era um mal estar, se aflorou por todo seu corpo lhe causando estranhamento e uma terrível queimação.

— O que está acontecendo comigo? — sua voz estava mais rouca e sentia como se a pele fosse rasgar a qualquer momento.

— Seu coração está pesado por todo mal que causou, mas sua aura bondosa ainda resiste. Por isso, será o guia daquele que salvará a tudo e a todos. Levem anos, séculos ou milênios, você deverá garantir a segurança do coração responsável pelo novo equilíbrio entre os seres humanos e a natureza!

O fogo que antes estava distante de si, foi se alastrando até que começasse a consumi-lo por inteiro. Se não estava morrendo, aquela seria a sensação mais próxima da morte que presenciara.

— P-por favor, não me deixe morrer...

— Já lhe disse que não merece algo tão simplório assim. Apesar de corrompido, enxergo uma chama em seu coração e esta chama pode ser seu caminho para o perdão... ou a perdição.

Os olhos que antes refletiam um brilho doloroso tornaram-se opacos e todas as sensações pararam lhe restando apenas um último suspiro antes de adentrar a escuridão e por ali ficar.

The Dragon PrinceOnde histórias criam vida. Descubra agora