Capítulo 5

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A partir do momento em que Samantha e Job passaram pela porta da sala privativa daquele restaurante, todas as minhas ações entraram em modo automático. Os cumprimentei de maneira formal, mas meus movimentos eram totalmente mecânicos. Lembro vagamente do garçom retornando e anotando os pedidos, nem lembro o que pedi para comer. Vi meu pai e Samantha conversando tranquilamente com Job, enquanto estou totalmente concentrado em minha histeria interna. Não posso negar que estava em choque absoluto, descobrir que o principal jogador do time de futebol do colégio é o filho mais novo de Samantha me pegou completamente desprevenido.

Job era o típico galã de filme adolescente americano: bonito, não era só o melhor jogador como também era o capitão do time, excelente aluno, amado e idolatrado por meninos e meninas, eu já disse que ele é um excelente aluno? Acho que sim, mas ele não era melhor do que eu, sempre estou entre os três primeiros melhores alunos da escola junto de Biuld e por incrível que pareça Apo também estava nesse top 3. Esse era um dos motivos da implicância diária de Job comigo e com meus amigos. Ele queria ser perfeito, mas a ânsia de ficar entre os melhores do colégio fazia com que eu, Biuld e Apo descobríssemos um lado de Job que com certeza ninguém mais deveria ter notado: seu cinismo e deboche constante, sem contar as piadas de cunho homofóbicas direcionadas exclusivamente a nós três. Apo já havia assumido sua bissexualidade a família e amigos próximos mas sempre dizia que isso era algo que não precisava anunciar as quatro cantos do mundo, Biuld não dizia nada sobre sua sexualidade alegando que isso era algo pessoal e que não era da conta de ninguém além dele mesmo, nunca o vimos interessado em ninguém então preferimos não nos meter nesse assunto. Eu ainda não tinha pensado muito a respeito, nunca namorei ou me interessei por alguém antes, estava deixando isso nas mãos do destino. Mas isso não quer dizer que deveríamos ouvir as piadas horríveis que ele fazia a cada oportunidade que tinha. Estava tão absorto em minha própria batalha interna quando sou tirado de meus pensamentos ouvindo alguém me chamar.

- Barcode? Você está bem?- Samantha pergunta preocupada.

- Desculpe P. Eu estava distraído. Qual foi a pergunta mesmo?- falo um pouco constrangido.

- Perguntei se está ansioso para ir morar em Chiang Mai.- pergunta claramente ansiosa.

- Ah, sim. Estou muito ansioso por esse momento.- respondo com um sorriso levemente forçado no rosto, que não passou despercebido por Job. Em seus olhos notei aquele brilho que sempre tinha ao fazer alguma piada de mau gosto.

- Com certeza ele deve estar animado mamãe. Ele poderá ver minha beleza todos os dias em nossa casa, só espero que ele não se apaixone por mim durante esse tempo.- ele fala em tom debochado e cheio de malícia. Samantha olha para o filho de forma repreensiva.

- Pare já com esse tom de voz malicioso e debochado Job. Ou acha que não fiquei sabendo do seu comportamento deplorável no colégio? Achou mesmo que não estando 24 horas com você eu não saberia das piadas homofóbicas que você falava por aí?- diz Samantha visivelmente irritada. Os olhos de Job se arregalaram na hora, claramente ele não imaginava que a mãe sabia disso. Fiquei chocado e agradecido ao mesmo tempo. Depois de tantas vezes em que ouvimos os comentários desnecessários vindos dele, eu e meus amigos fomos reclamar sobre isso na diretoria. Obviamente o diretor não queria acreditar em nós, já que estávamos falando do capitão do time de futebol. Não demoramos muito até encontrar uma forma do diretor descobrir sobre Job. Em um momento em que Job achava que estava sozinho em frente a sala de aula o diretor passou e ouviu ele falando coisas absurdas sobre o fato de Apo ser bissexual. No mesmo instante o diretor o levou para sua sala e foi severamente repreendido, e não só isso. O diretor reuniu todos os alunos no ginásio e deu um discurso sobre respeito, empatia e amor ao próximo. Falou que preconceitos sobre cor, classe social, religião, e orientação sexual não eram permitidas e seriam severamente punidas. Não pude esconder meu assombro com a atitude do diretor, muitos iriam ignorar tais atitudes por justamente compactuarem com pensamentos extremamente preconceituosos. O diretor se colocou a disposição de qualquer aluno que sofresse qualquer tipo de preconceito e reforçou que quem praticasse tais atos desrespeitosos iria ser punido severamente.

- Você realmente achou que eu pedi que viesse a esse almoço com Earth e Barcode sem saber o que você fazia com ele e seus amigos? Acha que não contei isso a Earth? Que não contei sobre sua atitude deplorável em relação a Barcode? Te trouxe aqui para você se desculpar, não apenas com Barcode mas com Earth também. E o próximo passo vai ser se desculpar com Apo e Biuld.- Samantha falava de maneira tão firme e irritada que fiquei assustado por alguns minutos.

- Você agindo dessa forma parece que esqueceu que seu irmão mais velho é gay.- arregalo os olhos na hora, não acreditando em meus ouvidos, a declaração de Samantha me pegou de surpresa.- Como você tem coragem de falar isso? Você realmente pensa assim de seu irmão?- Samantha perguntou de maneira categórica a Job.

Job ficou em silêncio a maior parte do tempo, até ouvir a última pergunta de sua mãe.

- Não mamãe, eu não penso assim de P'Tong. P' é minha maior inspiração, eu jamais falaria isso para ele.- Job fala de cabeça baixa.

- Então porque você fez o que fez?- perguntou meu pai, se pronunciando pela primeira vez desde que a conversa entre mãe e filho começou.- Por que você falou mau de meu filho e de seus amigos? Eles fizeram algo para que você agisse de tal forma?

-Não fizeram nada P'Earth. Para ser sincero eu sempre quis me aproximar deles como amigo, mas eles nunca me deram abertura para isso. E não posso negar que eu tinha e ainda tenho inveja deles- Job responde de forma sincera. Que ele aparentemente sentia inveja de nós isso era evidente, agora que ele queria ser nosso amigo isso eu já duvido um pouco.

- Inveja do que eu posso saber?- finalmente resolvo me meter. Job me olha dando um suspiro profundo.

- Inveja da amizade de vocês, inveja das notas de vocês, que por mais que eu me esforce muito jamais me igualava a vocês três. Sempre sonhei em ter amigos como você tem Barcode, todos que se aproximavam de mim era por puro interesse e status por eu ser o capitão do time ou porque descobrem quem é a minha mãe. Estou cansado de ter interesseiros a minha volta.- termina de falar com os olhos rasos d'água.

- Que bela forma de tentar fazer amizade, através de piadas e brincadeiras desnecessárias. A única coisa que conseguiu foi o nosso desprezo por suas atitudes. Se acha que só interesseiros se aproximam de você então deveria cortar relações logo que percebe o porque da aproximação das pessoas.- falo de maneira clara.- Essas pessoas só chegam em você porque VOCÊ deixa. Só irei aceitar suas desculpas quando você for falar com Apo e Biuld.- digo por fim, no exato momento que o garçom entra com nossos pedidos. Começo a comer minha massa ao molho bolonhesa sem olhar na direção de Job. O silêncio tomou conta do recinto enquanto todos almoçam calmamente, até que Samantha olha para mim e diz:

- Você tem toda a razão de querer que Job se desculpe com seus amigos primeiro, posso não os conhecer pessoalmente mas pelo que seu pai me falou eles são muito importantes para você e espero que depois que esse assunto estiver encerrado vocês dois possam ser no mínimo cordiais um com o outro, está bem?- diz Samantha com expectativa.

- Isso só depende de Job, P'Samantha.- digo sem tirar os olhos do prato. E assim não tocaram mais no assunto até o fim do almoço. Sinto que papai está me cuidando de maneira discreta, tenho certeza que ele irá me perguntar porque nunca contei nada disso a ele. Samantha está mexendo em seu celular e olha para papai de maneira chateada.

- Querido, terei que ir mais cedo para a agência. Não poderemos ficar para a sobremesa. Irei deixar Job em casa e depois irei para uma sessão de fotos.

- Não tem problema meu amor, pode ir tranquila que eu e Barcode já vamos para casa também. Tem algumas caixas que ainda faltam ser arrumadas.- papai fala de forma amorosa com Samantha.

- Ok então, nos vemos na próxima semana. Vamos Job, que você ainda tem que ir pedir desculpas para os amigos de Barcode.- Samantha fala categórica.

- Sim mamãe. Até a próxima semana P'Earth, até mais Barcode.- Job levanta de cabeça baixa enquanto se despede de nós. Papai se despede de ambos e ficamos sozinhos mais uma vez naquele dia.

- Quando chegarmos em casa quero que me conte exatamente o que aconteceu, está bem meu filho?- se tom de voz é duro, o que quer dizer que a conversa vai ser longa e tortuosa. Realmente parece que o universo não está conspirando ao meu favor.

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Mais um capítulo quentinho pra vocês, espero que gostem. Votem, comentem e compartilhem. Beijinhos de luz 😙

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