Toro, Espanha | 2021

397 25 42
                                    

     

     QUANDO CRIANÇA, EU AMAVA ODIAR MAX VERSTAPPEN. Era divertido ver a raiva tomando conta do seu olhar quando eu o confrontava, e mais ainda quando ele não tinha como revidar pois sabia que eu estava certa. Costumávamos andar de kart na mesma pista, ainda que raramente. Eu pilotava por hobbie, ele porque via o automobilismo como seu futuro. Seus embates com Felipo, meu irmão gêmeo, eram muito mais frequentes que os nossos, mas quando aconteciam espalhavam faíscas de caos pela pista e seus arredores. Ele tinha a língua afiada e eu também, ele tinha talento e eu também, ele se achava capaz de tudo e eu também. Não era de se admirar que tenhamos causado alguns transtornos e recebido punições por isso. Brigávamos como leões.

Felipo também já se ferrou muito por comprar minhas brigas. Ele dizia que me achava incapaz de me defender sozinha da petulância de Max, mas a verdade era que enfiava o nariz porque não o suportava tanto quanto — ou mais — que eu. Ou talvez porque fosse outro merdinha arrogante demais para a pouca idade que tinha. Tenho orgulho de dizer que ele evoluiu bastante desde os tempos de monopostos e virou um ser humano decente, porque Felipo era a epítome da presunção quando criança e pré-adolescente.

Não era por menos que a maioria dos pilotos não o suportava. A questão toda do meu irmão não era apenas ser um filho da mãe fora de série, sabe? Também tinha muito a ver com o que ele achava que podia fazer com o sobrenome que tinha: tudo. E isso também irritava Max ao ponto de deixá-lo vermelho como se fosse explodir. Ele era um Verstappen e também podia fazer muita coisa sendo um Verstappen, mas ser um van Koster ia além disso.

Afinal de contas, são gerações de pilotos em uma única família. Papai, vovô, nosso bisavô, nosso tataravô e por aí vai. A maioria deles campeões mundiais cujos nomes foram escritos na história da Fórmula 1 ao longo de quase 73 anos, outros não tão importantes quanto, mas ainda assim peças fundamentais para que cada van Koster que viesse ao mundo fosse automaticamente apontado como o próximo gênio do esporte a motor. E mais ainda para que uma família de imigrantes espanhóis nos Países Baixos se tornasse a Realeza da Fórmula 1.

Deram sorte com Felipo. O desgraçado nasceu um gênio e deve ter aprendido a pilotar antes mesmo de saber como trocar as próprias cuecas. Também era muito inteligente na escola, mas obviamente estava meio que se lixando para ela — só queria saber de correr, e foi mais ou menos por isso que precisamos sair da Holanda e voltar para a Espanha. Quando já tinha idade suficiente para tomar algumas pequenas decisões a respeito da própria carreira, Felipo entendeu que não conseguiria muita coisa ali.

Não com Max Verstappen respirando no pescoço dele e atraindo metade dos holofotes.

A maioria das pessoas ficam indignadas quando percebem que parte da minha vida foi desenhada segundo os moldes da vida daquele com quem fui obrigada a dividir até a placenta, contudo, isso nunca me incomodou. Posso não ter herdado o talento fora do comum nas pistas, mas herdei a extroversão de papai. Fazer amigos nunca foi um problema e sempre me pareceu divertido conhecer mais e mais do mundo da minha família.

Assim que voltamos para a Espanha, país onde realmente nascemos, Felipo se dedicou cem por cento ao automobilismo. Quando chegou a hora de decidir sob qual bandeira iria correr, escolheu a espanhola. Foi então que Max Verstappen reapareceu em nossas vidas. Exatamente como um fantasma do passado em busca de novas oportunidades para assombrar. Ainda consigo lembrar do comentário que ele fez sobre o assunto; algo tipo "Eu entendo ele. Também não ia querer correr com a mesma bandeira do meu rival de infância sabendo que ele é melhor do que eu e isso me faria ser o segundo melhor do grid a carregá-la."

E em um passe de mágica nossos encontros pelas ruelas miseráveis da vida voltaram a ser frequentes. Arrisco a dizer que até mais do que antes. Max e Felipo corriam na mesma categoria e subiram para a Fórmula 1 no mesmo ano, e a partir daí é história. Muitas alfinetadas, batidas e caras feias. Eu realmente achava que esses caras se odiavam profundamente, visto que não conseguiram superar cem por cento aquela rivalidade do kart. No entanto, eu não podia julgar Felipo por nada disso quando eu mesma tinha minhas próprias questões com Max.

Power Over Me | Max Verstappen ✓Where stories live. Discover now