Parte 73

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- Não mais seria a minha Karol!
Ele explicou, tocando meu cabelo e me
encarando com intensidade.
Meus joelhos bambearam.
Depois disso, tentei ficar mais calma.
Era mais fácil tentar, no entanto, que
realmente conseguir ficar tranquila. Arrumei-me com deliberada lentidão.
Fiz o melhor que pude. Malena e Ana me ajudaram com o cabelo, fazendo um coque largo e complicado, muito elaborado.
O vestido ficou bárbaro, o modelo, desta vez escolhido por mim; armado tipo princesa, bufante e rodado abri uma exceção para meu baile de noivado,
escolhendo um modelo bem típico da época, sem alças e azul bebê.
Experimentei usar a tal crinoline, para que o vestido ficasse tão exuberante como no desenho que vi no atelier.
E já que estava ali, resolvi dar uma chance ao espartilho.
Logo notei que não daria para comer nada usando aquilo, eu mal conseguia respirar normalmente.
Uma olhada na janela, já que o espelho era pequeno demais e alguns rodopios depois, eu estava pronta, parecida com uma princesa de conto de fadas, me sentindo totalmente ridícula e indescritivelmente feliz.
Ruggero me esperava do lado de fora, quando abri a porta vi seus olhos se
arregalarem e sua boca se abrir.
- Não me olhe com essa cara.
Estou tentando me adaptar o melhor que
posso. Já me sinto muito ridícula sem essa sua cara de bobo!
Ele piscou algumas vezes antes de conseguir falar.
O fogo dentro dos seus olhos me animou um pouco.
- Karol! Disse ele, me examinando atentamente.
- Você está...
- Eu sei... Murmurei.
- Pareço uma caricatura.
Ele passou a mão pelo cabelo e suspirou, depois sorriu.
- Acho que não é esta a palavra que procuro, senhorita.
Ele esticou a mão para pegar a minha.
- Você está indescritivelmente linda esta noite! Mas acho que falta alguma coisa.
- Ah! Não falta nada! Estou usando até a droga do espartilho dessa vez!
- Posso notar isso. Rebateu com o olhar preso no meu decote.
Realmente, o espartilho tinha suas vantagens, deixava a cintura mais fina e
o busto empinado e volumoso, mas, ainda assim, a tortura não valia à pena.
- Mas ainda acho que falta alguma coisa. E aproximou minha mão de seus lábios, beijando-a delicadamente.
- Talvez uma flor? Pensei que ele fosse colocar uma flor em meu cabelo como da outra vez, como fez no meu primeiro baile. Mas, ao invés de uma flor, Ruggero retirou algo pequeno e reluzente do bolso da calça e com muita delicadeza o deslizou por meu dedo anelar.
Pisquei algumas vezes.
Era o anel mais incrível que eu já tinha visto! Uma grande pedra azul e redonda bem ao centro, rodeada por pequenos
diamantes em toda a circunferência.
Dois brilhantes triangulares pendiam nas laterais como se fossem folhas
perfeitas. Como uma flor.
Uma flor azul.
Fiquei sem ar.
- Ruggero! Exclamei quando consegui colocar o ar para dentro.
- É lindo! Meu Deus é demais!
Quando examinei o anel mais de perto, tive a impressão que as pedras tremulavam exatamente como faziam os olhos de Ruggero de vez em quando. Gostei dele ainda mais.
-  É perfeito!
- Eu queria lhe dar um anel especial.
Pedi para que o ourives fizesse este
conforme eu o havia imaginado.
Senti meus olhos arderem, não era boa
ideia chorar quando se estava tão maquiada.
- Eu pretendia ter lhe dado no dia do baile, mas depois de tudo o que aconteceu... Ele sacudiu a cabeça, um sorriso amargurado nos lábios.
- No baile? Quer dizer, no baile de Malena? Ele assentiu.
- Mas... No baile que eu fugi de você? Perguntei sem entender.
- Sim, naquele baile. Não se lembra que eu queria falar com você quando o baile terminasse?
- Lembro. E eu disse que precisava te contar minha história antes e depois...
- Depois, tudo deu errado e eu não tive oportunidade. Tentei novamente naquele dia em que você... se foi.
Ele tinha dificuldades para tocar no
assunto, ainda doía muito a separação à qual fomos forçados.
- Eu pretendia lhe propor casamento, da forma correta e você já havia dito sim,
hipoteticamente, mas foi um sim!
No entanto... Outra vez, não de certo.
Tentei engolir.
- Você já tinha o anel? Sussurrei.
- Sim. Quando fui até a cidade, às vésperas do baile de Malena, passei pelo
joalheiro e o encomendei com urgência. Eu lhe disse que tinha comprado uma coisa especial, não se lembra?
Um mensageiro o trouxe no dia do baile. Estava tudo certo até...
- Você comprou o anel naquele dia que eu te procurei feito uma doida e não te encontrei em lugar algum? O interrompi maravilhada.
- Mas nós nem tínhamos ido pra cama ainda!
- Eu sei. E nem pretendia. Não sem antes lhe oferecer compromisso.
Seu rosto se iluminou, a tristeza foi substituída por outra coisa.
- Mas não fui capaz de refrear meu desejo e me perdi em seus encantos.
- Você pretendia me pedir em casamento antes de me levar pra cama? Antes de fazermos amor? Antes de saber quem eu era realmente?
- Certamente. Por que se espanta? Será que não percebeu o quanto eu estava louco por você? Ele se aproximou mais, deslizou um dedo na lateral do meu rosto suavemente.
- O quanto sou louco por você?
- Você é incrível, Ruggero!
Eu disse, olhando em seus olhos negros e
brilhantes. Depois voltei a admirar o anel.
- Não acredito que estava disposto a me pedir em casamento sem ter feito um test-drive!
- Test-drive? Indagou, roçando os dedos levemente em meu pescoço, minha pele formigava. Ele se aproximou mais, eu podia sentir seu gosto em minha língua.
- Experimentar primeiro para ver se realmente gosta... Murmurei instável.
Ele riu, seu rosto tão perto do meu me deixou tonta.
- Eu não precisava disso.
Eu sempre soube quem você era.
Sempre soube que o amor que queima em meu peito jamais se extinguiria.
- Eu te amo tanto, Ruggero!
- Não mais do que eu a amo! Se inclinou para me beijar um beijo de tirar o juízo. Então, cedo demais, se afastou um pouco com os olhos ainda fechados.
- Acho melhor nos apresarmos, não quero que se atrase em seu baile.
O fogo ardente que vi em seus olhos quando voltou a abri-los me disse
exatamente a que ele se referia.
- Então, vamos.
Droga!
O baile foi perfeito, dessa vez sem incidentes desagradáveis.
Apenas um pequeno acidente com taças colocadas sobre uma mesa mais baixa, que eu acidentalmente esbarrei com a saia do vestido, estilhaçando os cristais. Era muito difícil “manobrar” aquela coisa! Ruggero riu.
Disse que nos traria sorte, então deixei o acidente de lado e me concentrei em não esmagar ninguém com aquela gaiola. Observei Malena e Lucas, e como eram evidentes seus sentimentos.
Ele não tirava os olhos dela e ela não conseguia olhar para ele sem corar
violentamente.
Eu ri. Talvez por isso só se casassem dali alguns anos.
Levaria uma eternidade até que Malena se acostumasse com a paquera.

A sala estava abarrotada de gente talvez toda a vila estivesse ali, como Ruggero
pretendia. Dr. Almeida e sua esposa vieram nos cumprimentar, conversaram um pouco e depois se dirigiram para a mesa farta. Mas, antes de sair, o médico me fitou com um sorriso brincalhão nos lábios. Foi aí que me dei conta de que Ruggero não era o único ali que sabia da minha história.
- Está tudo bem, Karol? Ruggero me perguntou, pegando minha mão.
- Você está pálida!
- Ele sabe! Ele sabe! Eu gaguejei aflita.
- Quem?
- Dr. Almeida, Ruggero! Ele sabe!
Ele não pareceu preocupado.
- Ah! E qual é o problema?
- Como assim qual é o problema? E se ele resolver contar pra mais alguém? E se ele resolver estudar o caso para descobrir como isso foi possível? E se ele quiser abrir meu cérebro pra ver se é igual ao de todo mundo aqui? E se quiser arrancar...
- Não diga besteiras, amor, O Dr. Almeida é meu amigo. Nosso amigo! Ele jamais iria machucá-la, mesmo porque eu não permitiria, além do mais, ele sabe muito pouco. Apenas o que eu disse a ele naquela noite, e nem eu mesmo sabia muito.
Tentei não me preocupar com o médico. Até onde eu sabia, ele era o único por ali, não era prudente criar inimizades.
Mas ficaria atenta, só por precaução.
Conversei com muitas pessoas e, para minha surpresa, Ruggero estava certo e
elas realmente pareciam gostar de estar ao meu lado, exceto a Senhora Albuquerque, que estava ofendida por Ruggero ter escolhido uma noiva tão
menos preparada que sua filha.
Não comi nada, é claro, mas notei que o banquete foi devorado com deleite.
Sentar vestindo um espartilho e a crinoline não foi tarefa fácil.
Decidi, depois de algumas espetadas nas costelas, que era melhor aproveitar o baile em pé. E já que eu estava ali sem fazer nada, Ruggero achou ótima ideia passar o resto da noite dançando.
Não me importei que eu não soubesse os passos, Ruggero também não pareceu se incomodar com isso.
Na verdade, pensei que nada o incomodaria naquela noite.
A felicidade estava estampada em seu rosto e era tão grande quanto a minha. Dançamos abraçados, mas a certa distância, assim como na valsa, não como eu havia ensinado a ele.
- Não gosto deste espartilho. Não consigo sentir seu corpo com todo este tecido. Sorriu timidamente.
- Não estou habituado. Apertou a base
de minhas costas, me trazendo para mais perto.
As barbatanas de ferro esmagaram minha carne e a gaiola impedia que eu
me aproximasse dele.
Parecia um campo de força que proibia meu corpo de se colar ao de Ruggero.
- Não se preocupe, não pretendo usar estas coisas nunca mais! Mas acho que finalmente entendi o uso da gaiola.
É tipo uma gaiola de castidade, não é? Perguntei, aborrecida por não poder abraçá-lo como eu gostaria.
Ele gargalhou.
- Realmente... Dificulta o contato físico. Então, ele colocou sua mão na parte nua de minhas costas, o arrepio em minha coluna me fez lembrar de que nem duzentas gaiolas teriam resolvido meu caso, o desejo que eu sentia por Ruggero era irracional.
Dançamos mais algumas músicas e fiquei surpresa ao notar que eu estava
completamente à vontade no meio de tantas pessoas. Ruggero não escondia sua
alegria, ela irradiava por cada poro de sua pele.
E ele era meu, pra sempre!
Jamais pensei que pudesse existir tamanha felicidade.
Que amar alguém assim como eu o amava, com tanta intensidade, fosse possível.
Suspirei satisfeita e tentei encostar minha cabeça em seu peito.
Bem que eu tentei!
- Gaiola estúpida! Resmunguei.
Ruggero riu e, suavemente, tocou minha testa com seus lábios, sem se importar
com as pessoas ali presentes.
Meu corpo reagiu instantaneamente.
- Não se preocupe, amor.
Nossos convidados logo deverão partir e você poderá se ver livre desse aparato.
- Vai ser um alívio. Mal posso respirar usando esse treco.
- Você deve estar muito cansada, foi um dia muito agitado. Disse ele, enquanto me girava pela sala.
- Bastante cansada. Suspirei.
Ele suspirou também.
Olhei pra ele, que parecia estar frustrado. Pela expressão de seus olhos, pelo brilho prateado, imaginei que tivesse planejado alguma coisa para depois do baile.
Talvez uma comemoração mais íntima.
- Tão cansada que talvez nem consiga desabotoar este vestido sozinha.
Será que Madalena me ajudaria? Perguntei inocentemente.
- Madalena? Ele quase gritou.
- Não, senhorita. Não seria adequado!
Serei seu marido muito em breve e é meu dever, como futuro marido, garantir o bem estar de minha futura esposa.
Não permitirei que outra pessoa cumpra um dever que é só meu.
Faço questão de ajudá-la com essa tarefa tão árdua!
Tentei não rir de seu pequeno discurso.
- Agradeço muito que se preocupe assim com meu bem estar. Então, já que está disposto a me fazer esse imenso favor, seria abusar muito de sua bondade se eu pedisse para me ajudar com o espartilho também? Tem muitos laços! Acho que, se ninguém me ajudar, vou ficar presa a ele pra sempre!
Ruggero tentou manter-se sério, mas um sorriso traiçoeiro se apoderou de seus
lábios.
-Terei um imenso prazer em lhe ser útil!

Fim


Chegamos ao fim, vou postar o segundo livro aguardem!!!

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