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Seu pai não era um homem religioso, entretanto, desde que a matriarca da família Hyuuga falecera, sua frase favorita havia se tornado "Deus não joga dados com seus filhos".

Normalmente, a escutava depois dele ter tomado algumas doses de gin barato e ter apagado no sofá como o típico bêbado velho e acabado que havia se tornado depois de ficar viúvo. Quando recordava dessa frase — se alguém a dizia, se alguém falava de deus ou se encontrava algum bêbado lhe enchendo o saco no bar — as memórias que acompanhavam sempre era de uma Hanabi de apenas alguns meses chorando em seu berço, enquanto a Hinata de quinze anos tentava acalentá-la.

Às vezes, após alguns longos minutos conseguia fazê-la dormir em um embalo constante de seus braços, outras, apenas pegava sua mochila, enrolava a menina em sua manta e saia para as ruas em busca de alguma coisa ou alguém que lhe ajudasse a acabar com o motivo do chora; a fome.

Então, quando lembrava de que "Deus não joga dados com seus filhos", Hinata sempre pensava com ironia que talvez ele o fizesse sim, porque não era possível que alguém que julgavam ser tão amoroso e piedoso, fizesse questão de transformar sua vida naquele pequeno pedacinho de inferno.

Na vida da Hyuuga, o deus responsável por traçar todo o seu destino provavelmente não apenas jogava dados, mas os seus deviam ser daqueles com mais lados que o comum e provavelmente deveria estar bêbado.

Tão bêbado quanto seu pai.

— Então, senhorita Hyuuga, poderia repetir novamente o que viu naquela noite?

Ergueu os olhos da mesa de tampo cinzento, finalmente encarando o policial que a mantinha presa naquela maldita salinha abafada. Ele parecia jovem, talvez quatro ou cinco anos mais velho que a própria Hinata, tinha cabelos castanhos espetados, um rosto meio infantil com curiosas tatuagens faciais em forma de presas e olhos escuros que, por mais que tentasse manter uma carranca séria enquanto a interrogava, ainda pareciam gentis demais para um policial.

Suspirou.

— Eu já disse: nada. Não vi nada.

O policial se remexeu inquieto, fechando o bloquinho marrom de anotações. Sem dizer nada, tirou um tablet preto opaco de dentro do terno escuro meio amassado e virou em sua direção.

Precisou apertar um pouco os olhos para conseguir enxergar algo no meio daquele mar de pixels ruins e identificar o beco aos fundos da Moulin, de onde logo reconheceu a figura de uma mulher de cabelos escuros, usando um longo sobretudo, sair. Viu-a parar se escorando na parede, o corpo encolhido dentro do casaco e segurando entre os dedos um pontinho luminoso; um cigarro.

Ela ficou ali, parada, por alguns minutos até que virou a cabeça de repente para o lado esquerdo, endireitando a postura parecendo haver congelado no tempo. Logo, como se houvesse despertado de uma vez, girou o corpo e desapareceu dentro dos fundos da boate.

Não precisava de muito para saber o que se passava na cabeça dela e nem para saber que encolher o corpo daquela maneira era uma maneira de controlar o tremor e o nojo que ela sentia. Também não precisava de ajuda para saber o que ela havia visto, afinal, aquela mulher de cabelos escuros que o policial a exibia, era a própria Hinata.

— Esse vídeo foi gravado por uma câmera nos fundos da boate onde a senhorita trabalha. Nesse mesmo dia, na câmera do outro lado da rua, foi captado o momento em que uma mulher foi atacada por algum maníaco. A gente conseguiu ver que ela lutou e que conseguiu tirar o capuz, mas o ângulo da câmera não mostra o rosto dele — parou de falar, baixando o tablet e a encarando por alguns segundos antes de continuar: — o ângulo da câmera aos fundos do bar também não pega, mas o ângulo em que a senhorita olhou, em um cálculo matemático básico, é o mesmo por onde passou o maníaco que atacou a mulher. E a sua reação ao voltar e se esconder no bar mostra que não foi "nada" o que a senhorita viu.

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