Dias se passaram, semanas...meses...
Até que numa quarta feira chuvosa pós plantão eu recebi uma ligação, um número desconhecido "quem poderia ser? Alô?" perguntei em tom curioso, "Ellen? Não salvou meu contato não?". Senti meu estômago se embrulhar, de fato não tinha salvo, não vi motivo além de estender algo sem futuro e criar mais esperança onde não havia. "Oi, é eu acabei esquecendo haha", mentira, eu havia pensado nisso todos os dias, mas mantive minha mente forte.
"Então, eu estava pensando no nosso encontro, hoje você está livre?" "Ah sim sim, quer dizer eu sai hoje do plantão 24 horas, então eu tô meio cansada, mas.." "Ah que isso, vamo fazer alguma coisa, tá passando dr. Estranho no cinema, eai bora?".
Obviamente eu não disse não, como eu conseguiria? Mas seria certo fazer isso? Okay, eu estou saindo com um velho amigo, mas se eu tenho esses pensamentos em mente, seria certo? Ele tá praticamente morando com outra garota, se fosse errado ele não me convidaria, não é mesmo?
Eu preciso respirar fundo antes que seja consumida pela ansiedade.
Só me resta fazer uma coisa, escolher algo para vestir que não seja ousado pra ele não pensar que eu quero alguma coisa, ou muito recatado pra ele não achar que eu estou escondendo alguma coisa.
Felizmente eu só uso calça jeans, então foi isso que eu vesti. Passei uma maquiagem leve, um perfuminho e chamei o uber. Durante todo o percurso só conseguia pensar em estarmos sentados lado-a-lado, o pensamento deixou minhas bochechas vermelhas e eu me senti novamente uma adolescente boba.
Parecia que havia uma distância de muitos quilômetros entre minha casa e o shopping, mas eram só dois. Entrei e logo mandei uma mensagem perguntando onde ele estava, "esperando na frente do cinema" foi sua resposta, subi as escadas rolantes sentindo cada parte de meu corpo tremer, eu sabia que veria seu rosto assim que chegasse ao topo, e eu de fato vi algo ao chegar no último degrau, algo confuso, desconfortável, decepcionante...me deixou de coração partido, você estava lá, estava sorrindo, lindo, bem vestido, perfeito...e ao seu lado estava ela, igualmente perfeita, usei todos os músculos que eu tinha para me conter e não deixar que minha expressão correspondesse meus sentimentos.
Juro que senti meus ouvidos zumbirem e minha visão ficar turva quando vieram ao meu encontro, ela se apresentou mas eu sinceramente me lembro apenas do primeiro nome "Lana", foi o que ouvi como se estivesse embaixo de uma coluna de água.
Voltei a respirar, pois percebi que fazia alguns bons segundos que o ar não deixava meus pulmões, em um longo suspiro retomei o controle e tentei seguir com o "encontro" normalmente. Claro que com uma quantidade de sociabilidade limitada pela minha então rival que nem sabia ser minha rival.
Conversamos sobre casualidades, sobre o curso que os ambos tinham se formado, sobre seus planos para o futuro. Assuntos todos que ele parecia dominar de cor, no entanto, a situação estava prestes a tomar um rumo um pouco mais desconhecido para ele, Lana tira seu celular da bolsa e procura pacientemente por uma foto que diz estar ansiosa para mostrar para seu noivo, que a aguarda com uma mistura de expressões de curiosidade e confusão.
Ela então finalmente nos agracia com uma foto de uma pilha de toalhas com dois nomes bordados, "Não são lindos? É que primeira parte do nosso enxoval que mandei fazer, meu amor". Gabriel me olha tão perdido como eu imagino que estivesse.
"São lindas, meu amor, mas não tá um pouco cedo? Nós concordamos que iríamos morar juntos por dois anos e aí sim começariamos a pensar em casamento", "Eu sei querido, mas tenho pensado em porque adiar algo que praticamente já é nossa realidade".
A conversa ocorria em total paralelo à minha presença, me senti uma telespectadora que nada tem a ver com a situação, o que na verdade era uma realidade.
"Eu entendo sua ansiedade, eu também me sinto assim, mas vamos terminar esse assunto em casa, tudo bem?", Lana pareceu um pouco chateada pela reação de seu amado não corresponder ao que ela esperava, "Bom, acho que sim, melhor irmos entrando, o filme está para começar".
Assim nos dirigimos a nossa sala, posso dizer que não disse mais que dez palavras entre risadas forçadas e acenos de cabeça, eu simplesmente tinha certeza de que não me cabia estar ali.
Sentamos silenciosos em nossas poltronas e "aproveitamos" o filme que eu não saberia dizer se foi bom, já que minha mente viajava entre as cenas que eu presenciara.
Não me lembro exatamente o que mais conversamos após o filme, não me recordo nem de meus passos chegando em casa, apenas me lembro de adormecer com uma garrafa de vinho em minha mão e de acordar atrasada com uma ressaca e um despertador que tocava incansavelmente.
