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     Foi em 2015

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     Foi em 2015. Lembro-me perfeitamente, como se fosse ontem. Foi nesse ano que perdi a minha doce irmã e ganhei uma versão mais fria. Não é que ela não seja amorosa e querida, mas não é o mesmo. Antes ela procurava dar e receber o carinho a qualquer pessoa, agora é preciso ser alguém da sua extrema confiança e, mesmo essas, inclusive eu que partilhei um útero com ela, necessito de me acautelar antes de a abraçar ou demonstrar afeto.

     Nós sempre adoramos automobilismo. Recordo-me de o meu pai comprar carrinhos para mim e bonecas para ela e a Olivia colocar tudo o que recebera numa caixa e brincar comigo. Aos 8 anos começamos a nossa carreira, fomos para os kart. Era a nossa atividade, era aquilo em que éramos bons, era o nosso momento de irmãos gémeos. Ninguém nos separava. Aos 11 anos, em 2009, subimos a cadetes e eu sagrei-me campeão da MSA British e do British Open, mas ela nunca ficou muito abaixo de mim, ficou sempre em segundo. E eu sei, todos sabem, que ela nunca foi campeã porque sempre me facilitou o trabalho. Se ela estivesse à minha frente, se estivesse prestes a vencer, ela cedia-me o lugar e eu vencia. Eu devo-lhe tudo e mais alguma coisa. O que eu sou no mundo do automobilismo, muito se deve a ela.

     As coisas foram se complicando ao longo dos anos, não por falta de qualidade dela, mas sim por ser menina. O mundo do automobilismo não foi justo com ela, única e exclusivamente pelo seu género. E, foi por isso, que tudo mudou em 2015.

     Ainda em 2014, na Fórmula 4, eu venci a quinta corrida da temporada e sagrei-me campeão. A minha irmã, como sempre, ficou com o segundo lugar. Nós, a certa altura da nossa vida, não sei precisar qual, começamos a ficar conhecidos como os gémeos P1/P2. Alex Albon, o nosso melhor amigo desde que nos lembramos de ser gente, até brincava, a dizer que estávamos trocados nas posições no automobilismo, já que ela é mais velha que eu, uns meros 15 minutos. Em 2015, eu assinei pela Carlin, e comecei a competir na Fórmula 3. A Olivia foi excluída. Eles não permitiam mulheres nas categorias acima da Fórmula 4. Recordo-me do Leclerc se revoltar com isso. Na boca dele, era ela quem devia subir, não eu. E eu não discordo. A minha irmã sempre foi muito melhor piloto que eu, aliás, ainda o é.

     Ela não aguentou. Era impensável estarem a excluí-la por ser mulher. Foi-se completamente abaixo. Não a vi durante meses. Ouvia os meus pais falarem sobre ela estar em Espanha e estar bem entregue. Soube, semanas depois do seu desaparecimento que ela estava em casa dos Sainz. Eu não os conhecia, ouvia falar apenas de Carlos Sainz Jr. por estar na Fórmula 1 e, claro que sabia quem era o seu pai, uma lenda do rally e duas vezes campeão. Os meus pais confiaram e eu também.

     Era Setembro quando ela voltou. Caiu nos meus braços e chorou por horas. Dizia que o Carlos era o amor da sua vida e não iria aguentar as saudades dele. Contou-me como ele a ajudou. Como ele a encontrou embriagada nas ruas de Madrid, depois de ela saber que seria renegada do automobilismo por ser mulher, e como a salvou de ser violada por um grupo de rapazes. Passou todos os meses em casa dele, com os seus pais e irmãs, contou que ele todos os fins-de-semana sem corrida ia a Madrid para estar com ela. Eu, que não conhecia o espanhol, senti que o passei a conhecer, apenas por a ouvir falar dele. Eu estava feliz por ela estar feliz, porque sabia que era bom para ela encontrar alguém assim, que a apoiou e ajudou. Eu estava e, ainda estou, eternamente grato ao Carlos. Ele protegeu-a quando eu não estava lá, mesmo que não fosse por minha culpa.

quédate ⌈ carlos sainz ⌋Onde histórias criam vida. Descubra agora