Expectativas e realidades

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O relógio marcava por volta de uma da manhã de sábado quando Vitor saiu de seu quarto e encontrou Caio sentado na ponta de um grande sofá, olhando para a tela da TV, que exibia um programa de entrevistas, mas sem prestar muita atenção pois sua mente divagava livremente.

– Papai já foi dormir? – disse o primeiro sentando-se na outra ponta do mesmo sofá e interrompendo os pensamentos do outro.

– Já sim. Ele estava aqui na sala conversando comigo, mas foi para o quarto tem uns dez minutos mais ou menos. E você, como está, cara?

– Eu tô bem. Um pouco cansado, mas bem. Essa semana foi um pouco puxada para mim. A morte da vovó, Talita não me responde...

Apesar de incentivar o romance do irmão, Caio não confiava na reciprocidade do sentimento de Talita. Sempre que tocava no assunto, incentivava o relacionamento por querer Vitor feliz, mas, intimamente, o sentimento era bem diferente.

– Vitão, vou ser bem honesto pois não aguento mais ver você assim por causa dessa garota. Como eu te falei outro dia, eu sinto as coisas meio estranhas entre vocês e confesso que às vezes acho te sinto mais interessado nela do que ela em você. Torço por vocês, é claro, incentivo... Mas, assim... Para mim é meio nítido o quanto te vejo disposto e interessado e o quanto ela parece não estar nem aí.

– Ela não mandou nenhuma mensagem ao longo dessa semana mesmo sabendo da situação que estamos passando. E hoje ela estava on-line, mandei uma mensagem, ela visualizou pouco depois e não respondeu.

Vitor terminou de falar e ficou em silêncio. Caio se aproximou, colocou a mão em seu ombro e disse:

– Cara, eu não quero colocar merda na sua cabeça, mas eu só quero dizer o quanto você merece viver uma situação melhor. Talvez um papo com a Talita resolva, talvez deixar ela de lado ou talvez se permitir viver outras possibilidades, assim como eu faço.

– Somos muito diferentes nesse sentido, Caio. Eu vou ter um papo com ela na semana que vem, com certeza. Desisti de mandar mensagem e ser ignorado e acho que preciso desse fim de semana para mim, para pensar. Sair ficando com diversas garotas não é uma opção, não gosto disso. Mas, certamente preciso pensar no que de fato acho legal para mim.

– É sobre isso, cara. Não precisa agir como eu. Veja o caso da Bruna, por exemplo, a gente fica quando bate a vontade, mas jamais daríamos certo. Não sinto uma química legal entre nós além do desejo momentâneo. É tipo fast food, sabe? Ela tem vontade, eu tenho vontade, a gente fica, matamos o desejo e cada um segue a vida. E está tudo bem se para os dois isso está certo. Eu entendo que você goste de ficar com alguém somente quando sente um laço afetivo ou algo assim, só que esse laço precisa ter pontas dos dois lados, entendeu?

Vitor olhou para o irmão, respirou fundo e disse:

– Você nunca me falou isso.

– Nunca falei isso com você e nunca falei disso com ninguém. É que eu te via feliz e não queria ser o "estraga prazeres". Mas, agora que você está refletindo sobre o assunto, achei que deveria abrir o meu coração. – disse Caio.

– Eu vou pensar nisso.

– Eu vou estar sempre do seu lado, mesmo que eu não concorde com a situação inicialmente e prometo que que vou fazer de tudo para te entender. Só não vou passar pano, você sabe disso e na primeira oportunidade que eu tiver, vou meter o bedelho sim para te alertar, igual estou fazendo agora. – Caio apertou a mão do irmão e continuou – E não importa a sua decisão, eu vou continuar aqui te apoiando. Nunca vou soltar a sua mão, cara.

Vitor sorriu para Caio e os dois trocaram um forte abraço.

– Obrigado, cara!

– Tamo junto! – devolveu o irmão.

O primeiro ficou em silêncio por um tempo e então disse:

– Acho que você tem razão. Eu estou lembrando de umas coisas aqui e... A gente saiu juntos diversas vezes e ela nunca postou nenhuma foto nossa, nem fez menção nem nada. Tudo bem que eu não gosto muito de aparecer, mas... É... Você sabe do que estou falando. Até aquela menina que você ficava e quase namorou, a Carol, lembra? Ela postou uma foto quando nós quatro fomos para Gramado, no meio do ano passado.

– Eu sei, eu sei. Cara, não fica na neura nesse momento, é pior. Converse com ela antes de tomar alguma decisão. Eu posso estar errado e te induzir a algo ruim. Mas, pelo que vi até aqui, não mudo nada do que falei.

Vitor se levantou, foi até a cozinha, pegou duas cervejas e voltou para a sala. Entregou uma para o irmão e continuou:

– Acho que vou dar uma pausa nas redes sociais enquanto essas coisas não passam e não converso com a Talita. Vai que entro e vejo algo que não quero ou não estou preparado... Fora que estou cansado por causa da morte da vovó, minha mente está mil com isso tudo e acho que me afastar um pouco vai fazer bem. Sei que quase não publico nada e quando posto é "foto de prédio", como você diz. – disse ele bebendo um gole da cerveja.

– Eu fiz um pequeno detox. Deletei os aplicativos e não vou entrar por uns dias. Só para focar na nossa situação, ajudar o papai... E acho que você faz bem em se afastar pois precisamos voltar a atenção para a nossa família.

Vitor pegou o celular, desativou os perfis e desinstalou os aplicativos das redes sociais. Logo depois, deu mais um gole na cerveja e disse:

– Pronto. Vou viver um pouco offline até tudo passar.

– E depois, com a cabeça mais leve, você volta a postar foto de prédio. – disse Caio em tom de ironia enquanto brindava com o irmão – E está tudo certo. São as melhores fotos de prédio que conheço. Você é foda, cara.

***

Enquanto isso, no prédio onde Talita morava, ela, assustada com a voz do pai do lado de fora, se vestiu rapidamente. Heitor, com os olhos arregalados, sentiu um frio na barriga e ela, com os olhos igualmente estalados, abriu a porta da sauna. O pai, um homem alto e de pele clara quase branca, cabelos pretos curtos e escorridos e barba grisalha, fixou seus marcantes e irritados olhos castanhos e esbravejou:

– Talita, o que você está fazendo aqui com esse moço? Minha filha, a portaria me ligou falando que você pegou a chave, um segurança passou aqui fazendo a ronda e disse que o barulho aqui dentro estava muito alto e indecente. O que está acontecendo? Talita, você transformou a sauna do nosso condomínio em uma suíte de motel?

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