FESTA SERTANEJA [1]

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Quando acordei, mais ou menos às cinco da manhã, estava sozinho na cama. Não sei dizer se dormi ou apaguei. Estava cansado, com fome, muita sede. Vesti um roupão e fui à cozinha fazer um lanchinho.

Eu estava em estado de graça. Imensamente feliz. Feito a garota que ganhou a melhor boneca de sua vida, ou outro brinquedo pelo qual lutara muito - o que é uma bela e sincera comparação. Sentia meu corpo todo levitar, quase como se fosse amparado por anjos do amor.

Assim, feito essa chapeuzinho vermelho que descobrira a nova faceta do lobo mau, um lobo bastante do sedutor, caminhei pelo corredor até ficar diante da toca... digo, da porta... do meu benfeitor. Queria entrar, ver como ele estava; contudo, desisti da ideia. Meu cansaço era muito grande, e certamente ele também estaria esvaído do tanto que fodemos. Além do mais, eu pareceria um apaixonado grudento, daquele tipo que nunca fui e nunca suportei.

Enfim, desci a cozinha, preparei uns sanduíches, uma jarra de suco, arrumei tudo numa bandeja, e subi a escada. Diante da porta do quarto dele, respirei profundamente. Agora eu não estava de mãos vazias, na certa ele também estaria oco de fome. Levei a mão à maçaneta fria, girei-a devagar. Não seria má ideia se fizéssemos mais coisinhas (seria horrível se ele não quisesse mais), e embora estivéssemos um bagaço, eu estava resolvido a fazer o sacrifício. Abri a porta, e pé ante pé, fui até a beirada da cama. Não era uma noite tão fria, mas ele dormia com as pernas cobertas.

Meu deus, era a criatura mais bela e deliciosa da face da Terra!

Deixei a bandeja sobre uma cômoda, arrastei-me calmamente sobre o colchão, enlacei-o por trás. Ele não se moveu. Chamei-o levando meus lábios ao seu ouvido. Aí sim acordou, virou-se e nos encaramos; seus cabelos estavam desalinhados; espreguiçou-se, os braços se distenderam para fora da cabeceira. Enfim me sorriu. Exclamei: - Vovó, que dentes grandes você tem!

- E tenho uma fome que não acaba nunca. - Inspirou profundamente, seu tórax se encheu do cheiro de pão torrado que impregnava o ambiente. - Que horas são? Parece que você me trouxe algo para comer!

- Também trouxe lanches e suco. São umas cinco da manhã.

Peguei a bandeja, sentei-me ao seu lado, e devoramos os sanduíches em silêncio.

Quando nos saciamos, tomei coragem e iniciei a conversa: - Gustavo - eu falava bem baixo porque meus pais dormiam ao lado. - Você é bissexual?

Ele ficou calado por alguns segundos. Parecia estar pensando na resposta:

- Não me interesso por classificações! Estou abolindo completamente os rótulos, ou o máximo possível. Venho fazendo isso a tempos mas só depois dos quarenta me motivei a viver a vida sem amarras.

Permaneci calado, só ouvindo.

- Bruninho, você é bem jovem ainda para entender... Gosto de prazer, e não meço esforços para ter o que quero. Você tem de aprender a viver perigosamente.

Sua mão havia tocado meu queixo, seus lábios avançavam de encontro aos meus. Porem, eu ainda precisava de respostas, e quando seus músculos quiseram me envolver como uma sucuri em torno da vítima, afastei-me calma mas decididamente:

- Por que você disse que meus pais só voltariam depois que você tivesse feito o serviço? Ou algo assim.

Ele pegou um pouco mais de suco da jarra:

- Eu disse isso?

- Simmm! Você deu a entender que meu pai sabe que a gente transou.

Ele pediu que eu guardasse a bandeja em algum lugar e me deitasse com ele. Assim fiz, depois me aconcheguei em seu peito. Seu corpo era quente, seu perfume amadeirado misturado ao suor, me dava paz e excitava ao mesmo tempo. Devo confessar que tive muita dificuldade para me lembrar ipsis litteris o que ele me disse:

- Pedi pro seu pai sair com sua mãe ontem à noite porque eu queria... pegar a empregada. Lembra quando eu falava com o Marcelo no jantar e saímos para conversar longe de você? Era sobre isso que eu falava com ele. Eu queria ter privacidade com a Clarice. Mas era um truque. Eu tinha em mente comer algo... mais apetitoso. Enfim. Claro que nem precisaria disso: a casa é tão grande. Mas sua mãe adora teatros e cinemas. E depois, eles poderiam ir pra algum motel, fazer as pazes...

- Como assim, fazer as pazes. Eles estão brigados?

Bem, a conversa foi longa e proveitosa. Fiquei sabendo de coisas que me escapavam da vista a tempos. Primeiro, que minha empregada e Gustavo se atracavam pela casa. E pior: meu pai também. Eles tinham uma espécie de complô para que minha mãe não ficasse sabendo. Mas era Gustavo quem usufruía muito mais do corpo jovem de Clarice.

Fiquei tão indignado com aquelas informações, mas principalmente comigo mesmo. Sempre me achei tão esperto. Como eu nunca percebi isso?

- Ora, você sempre vive andando por aí com seus amigos, seus livros, as coisas que você escreve. Você e sua mãe são muito sonhadores, preferem as coisas do universo, e mal percebem o que acontece diante dos seus narizes. É assim...

- E Clarice... ela mora com a gente. Ela transa como patrão, e a patroa nem desconfia! Não... não sei como encará-la agora. Ela trai a confiança de minha mãe... meu pai trai a minha mãe!!!

- Ei, ei... não seja tão duro com ela!... nem com você mesmo... Bem, depois continuamos a conversa, mas você vai prometer não dizer nada pra sua mãe! Me prometa! Me prometa!!!

- Tá bem, prometo. Pelo menos por enquanto, Clarice está salva.

Percebendo quase de imediato que eu estava com ciúmes, Gustavo deu um beliscão em minha bunda, enquanto mordia minha boca.

- Calma, garoto! Você parece adolescente, não sabe que na vida a gente tem que aproveitar de todas as formas possíveis? Esqueça um pouco os livros e curta a vida. Bota mais essa bunda pra requebrar. Ontem foi uma das melhores transas da minha vida! E essa marquinha sensual que você tem na bunda? Parece até que você tatuou ela aí só pra me provocar! Você é um tesão da porra.

Não dissemos mais nada. Ficamos nos beijando e amassando até a aurora surgir; o que não demorou a acontecer; logo a casa ganhou vida; me despedi do meu homem.

Acordei só depois do meio-dia. Ouvi passos a poucos metros da minha cama, abri os olhos e vi Gustavo com a bandeja do café da manha nas mãos. Estava só de calção: - Acordou, bela adormecida! Eu trouxe uns biscoitos e suco. Não vai se acostumando, garoto!

- Obrigado, tô com muita fome. - A porta ficou propositalmente aberta. Gustavo sentou-se do meu lado e sussurrou no meu ouvido:

- Daqui a pouco sua mãe vai fazer compras, e deve ficar a tarde toda fora. Seu pai foi ao tênis. (Era como se me passasse a cola da prova com o professor voltado para a lousa.) Eu disse pra ele que tô com indisposição, e ele foi sozinho. Tive de inventar que ontem quase matei a Clarice de tanto que ela rebolou na minha pica. É só questão de tempo até ficarmos sozinhos...

- E o que vamos fazer quando estivermos sozinhos? - perguntei, em tom da falsa inocência.

Ouvimos barulho vindo de baixo e nos recompomos. Iniciamos uma conversa em voz alta sobre futilidades, como se nada entre nós tivesse se passado. Riamos de piadas soltas, sobre assuntos que nunca me interessaram, entretanto minha mão encostava na dele, que era grande e quente. Eu estava em júbilo pela atração que sentia por ele. Seu peito estava a poucos centímetros do toque dos meus dedos... Seus braços se moviam enquanto ele contava sobre raquetadas em bolas imaginárias... Seu pescoço, seu cabelo... me perdia em sua pele, em sua voz, em seus olhos... Aquilo estava ficando muito excitante.

Depois de uns dez minutos, ficamos calados, em parte porque nosso estoque de conversa fiada tinha se acabado, em parte porque queríamos perscrutar se a casa já estava vazia.

Pelo visto, estava.


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Obrigado a todos pelas leituras e curtidas.



GUSTAVO, O MELHOR AMIGO DO MEU PAIOnde histórias criam vida. Descubra agora