O Absurdo

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Lá estava ela, sem saber como chegou. De pé ao lado da única árvore. Grama por toda a vista até o horizonte, onde se vê o pôr do sol por trás das montanhas. Sentou-se na grama e, contemplativa, se apoiou nos joelhos. Apenas ela, mais ninguém.

— Não lembra como chegou aqui, moça? — disse uma voz infantil.

Vestidinho cinza, longos cabelos pretos. Era uma garotinha saindo de trás da árvore. Após ela, outras surgiam colocando suas cabecinhas para fora dos galhos.

— Quem são vocês?

A garotinha sorriu com os olhos.
A moça refletiu por um instante olhando ao redor. E como num estalo, lhe veio o pensamento:

— Eu morri?

— Você não morreu — disse cobrindo a risadinha com a mão. Tinha por volta dos 8 anos. — Esse é o meio. Entre o agora e o depois. Vida e morte!

— Eu não me lembro do que aconteceu — disse a moça, tocando a cabeça.

— O que acontece no último momento não importa. Os momentos marcantes são o que valem a pena — disse a menina.

— Como assim?

— Queremos levar você através das suas lembranças.

— Sim — concordou outro garotinho. — Você verá os seus dias, e em seu coração, saberá se é o momento de partir.

— Então sou eu quem decido se quero viver? Pois então, quero viver! Me levem de volta, por favor.

— Não, você entendeu errado! — disse a menina sorrindo. — Não é você quem decide. Mas é você quem compreende. E só você.

— Não estou entendendo.

— Mas vai entender! — disse o garotinho girando os dedos, como quem faz um círculo no ar.

Dos movimentos saíram faíscas tal qual um chuveirinho de São João. O cenário escureceu devagar. Do completo breu, uma luz laranja cresceu iluminando um novo cenário. Essa luz vinha da janela do corredor, dentro de uma casa. Feixes de luz passavam pelas telhas transparentes.

— Esse lugar é familiar — disse a moça.

— Essa é a sua primeira casa. Talvez você não se lembre, mas foi muito feliz aqui — disse a menina.

No fim do corredor estava uma porta aberta. Do lado de fora tinha grama. Um cheiro de churrasco permeava o ambiente. E se ouvia um latido acompanhado de risadinhas. A moça se aproximou devagar, tomada por uma forte nostalgia. E quando se percebeu do lado de fora, viu uma garotinha sendo empurrada pela mãe num balanço improvisado de pneu. Laila estava latindo e correndo, como costumava fazer antes da doença. O pai assava carne numa, também improvisada, churrasqueira. Feita com carvão, tijolos, e uma grelha.

— Você era feliz nessa idade — disse a menina.

— Eu me lembro disso. Era um domingo! Sempre tinha churrasco aos domingos.

— Seu pai fazia. Nesse tempo, vocês ainda se falavam.

— Você sente falta de falar com ele? — perguntou o garotinho.

— Eu tentei tanto.

— É verdade, você tentou — disse a menina.

Ela girou os dedos, e novamente a luz se esvaiu, até tudo escurecer. Então novamente, o pôr do sol rompeu a escuridão num pequeno feixe. Ela se viu num cenário diferente. Era sua segunda casa, onde passou boa parte da vida.

A luz invadia o local por lugares impossíveis, como se atravessasse os tijolos da sala de estar. Como um sonho. Ela olhou para a cozinha, e viu uma adolescente discutindo com o pai. Uma cena sem som: muda. As feições indicavam uma briga. Mais uma briga.

O AbsurdoOnde histórias criam vida. Descubra agora