6 - Parte I

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DANIEL

Tentei virar a página, mas nossa história não parou por aí. E ela continua sem parar e sem parar e sem parar, como uma canção sem fim.

(Never Ending Song – Conan Grey)


Acordei com uma sensação estranha no peito, uma espécie de ansiedade. Não entendi muito bem na hora, mas por volta do horário do almoço consegui dar um nome ao sentimento ruim. Quando finalmente consegui discernir o que estava sentindo, fiquei estressado. O stress gerou ainda mais ansiedade. Sem brincadeira, minha ansiedade tinha ansiedade. Era cíclico: sentir aquela pontinha ansiosa e já ficar nervoso com a possibilidade de ter uma crise. Eram os momentos onde eu mais precisava de um plano para manter o autocontrole.

Era algo que eu conversava vez ou outra com Renata. Na verdade, com cada vez mais frequência. O fato de que, por melhor que eu estivesse com relação aos meus últimos anos, ainda tinha episódios não muito distantes de ansiedade ou melancolia. Nada que fugisse do controle durante a maior parte das vezes, mas eles estavam lá, indo e voltando durante os altos e baixos da minha vida, que não era tão diferente da vida da maioria das pessoas.

Quando eu acordava com esse tipo de sensação, eu sabia o que fazer. Saía para uma caminhada, tomava uma limonada ou um suco de laranja, me distraía ouvindo música no volume máximo dos meus fones, marcava algo com algum amigo ou amiga, evitava ficar parado e sozinho alimentando qualquer paranoia ou insegurança. Funcionava quase sempre.

Klaus me convenceu a pagar uma diária na sua academia quando soube que eu teria a manhã livre, então eu corri quarenta minutos de esteira ouvindo uma playlist dos anos 80 que havia montado há algumas semanas, fingindo que o volume alto dos fones me impedia de perceber sua existência me cercando e insistindo para fazer pelo menos algumas sessões de peito e tríceps com ele. Sem chance. Não que eu nunca fosse à academia, às vezes trocava a corrida pela musculação, mas não fazia com frequência. Nunca tive nenhuma neura sobre o corpo perfeito, diferente de Klaus, um verdadeiro rato de academia que adoecia se passasse um dia sem malhar.

Depois do almoço, passei a tarde na Escola de Música, o departamento do campus onde eu trabalhava como bolsista de apoio técnico, ajudando a carregar equipamentos, montar palcos para apresentações, abrindo ou trancando salas. Era simples, quase não tinha muita coisa para fazer, e quando não era um dia cheio de tarefas, eles me deixavam tocar piano por alguns minutos na sala de treino da orquestra filarmônica que mais de uma década atrás a minha mãe integrou.

O dia inteiro transcorreu normalmente até anoitecer. Durante os primeiros horários de aula, recebi uma mensagem de Thalia. "Esteja bonito", ela escreveu. "Estou básico", respondi. Jeans preto, tênis preto, camiseta branca. Não consegui focar tanto na aula a partir daí, a ansiedade aumentou quando lembrei que iríamos ao Beco porque ela ia tocar. Até cogitei, mas não tive como escapar de Klaus quando ele me arrastou até o uber assim que saímos para o intervalo.

Agora aqui estou eu, na esquina do Beco dos Emos, tentando prestar atenção no que uma garota gótica fala para mim em meio a uma rodinha de estranhos. Klaus está chapado, os olhos caídos e avermelhados fingindo que acompanham toda a conversa. A garota me oferece um gole da sua cerveja, mas eu recuso. Klaus ri ao notar minha careta.

– Se você vir o Daniel bebendo cerveja, pode apostar: ele já está muito bêbado e não sente mais o gosto das coisas ou ele tá muito a fim de beber e não há nada melhor por perto.

Eu ilustro a fala do meu amigo me afastando alguns metros do grupo para comprar um corote de menta no carrinho de um vendedor ambulante que estaciona ali perto. Enxaguante bucal, Anna diria, da pior qualidade. No entanto, é barato e eficiente. Uma garrafinha dessas e dá para ficar de boa por um bom tempo. Isso se você não for muito fraco para beber e pular a parte legal direto para aquela onde fica completamente doido. Anna com certeza seria essa pessoa, ela mal aguenta duas latas de Beats.

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